Presidente da China, Xi Jinping, e o presidente Lula| Foto: Ricardo Stuckert/PR
Porto Velho, RO - A reunião promovida pelo chanceler de fato do Brasil, Celso Amorim, em parceria com a China falhou em obter consenso entre 17 nações do chamado Sul Global (países em desenvolvimento) para apoiar um plano de paz favorável à Rússia para acabar com a invasão à Ucrânia. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, havia afirmado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem apoiando o plano chinês de forma oportunista para tentar ganhar um prêmio Nobel da Paz, mas sem mencionar diretamente o nome do brasileiro.
"A fórmula de paz já existe há dois anos, e talvez alguém queira um Prêmio Nobel para sua biografia política, para uma trégua congelada, em vez de paz real, mas os únicos prêmios que Putin lhe dará em troca são mais sofrimento e desastres", disse Zelensky em sua fala nesta semana na Assembleia Geral da ONU.
Brasil e China haviam convidado 15 países do Sul Global para uma reunião nesta sexta-feira (27) nos Estados Unidos durante a Assembleia da ONU. Eles eram África do Sul, Argélia, Bolívia, Colômbia, Egito, Etiópia, Indonésia, Cazaquistão, Quênia, México, Tailândia, Turquia, Emirados Árabes Unidos, Vietnã e Zâmbia, além do Brasil e da China. França, Suíça e Hungria enviaram observadores.
Etiópia, México, Tailândia, Emirados Árabes Unidos e Vietnã se recusaram a assinar um documento apoiando a iniciativa. O próprio Amorim disse que o México, que tem um governo esquerdista, considerou a linguagem do tratado simpática demais à Rússia.
Os termos da proposta sino-brasileira vêm sendo criticados pela maior parte das democracias liberais do planeta, pois implicitamente prevê a anexação de cerca de um quinto do território da Ucrânia pela Rússia. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi excluído das discussões e é um dos maiores críticos do plano. A Rússia não participou, pois era representada pela China, com quem já declarou ter uma "parceria sem limites".
O acordo entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governo de Xi Jinping foi selado ainda em maio e, desde então, ambos vinham buscando a adesão de outros países. A reunião ocorreu na sede da ONU em Nova York.
Representando o Brasil, Celso Amorim, que formalmente ocupa o posto de assessor especial do Palácio do Planalto, afirmou que a proposta é a realização do projeto inicial do presidente Lula de ter um "grupo de amigos da paz". "Levou tempo. Leva tempo para que as pessoas entendam que outros caminhos não conduzem à paz", disse.
Lula vinha propondo a iniciativa desde que venceu a eleição, em 2022. O fracasso do clube paz, no entanto, se deu principalmente pela falta de adesão de países do bloco europeu e dos Estados Unidos, que apontaram a falta de um compromisso por parte do Brasil e da China de denunciarem a invasão russa ao território ucraniano.
Amorim disse que o governo brasileiro não vai desistir da iniciativa. "É um primeiro passo. Era apenas Brasil e China, e agora temos uma participação mais ampla", disse Amorim.
O professor Antonio Celso Baeta Minhoto, doutor em Direito Público e Constitucional e titular da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, avalia que o Brasil se aproxima politicamente da China e não parece estar plenamente consciente das consequências disso.
"O Brasil tenta sair de sua esfera natural de influência, os Estados Unidos, para se aproximar da China. De todo modo, o Brasil tem peso político suficiente para atuar como fiel da balança desse eventual acordo de Paz? A meu ver, não", explica Minhoto.
"O plano, no final das contas, é da China e conta com o aval da Rússia. O Brasil, justamente por isso, está tentando trazer outros países para a mesa de negociações. Há, inclusive, o risco de o Brasil sofrer algum tipo de retaliação comercial, de modo especial dos EUA, mas também da Europa, se insistir neste alinhamento com a China e indiretamente também com a Rússia", completa o professor.
Plano de Brasil e China fere carta da ONU
Um dos principais questionamentos sobre a proposta apresentada por Lula e pelo governo de Pequim é que ela não prevê a desocupação do território da Ucrânia, que foi invadido pelas tropas russas. Esse ponto, inclusive, é visto como um descumprimento da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece que os Estados-membros devem evitar a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial, ou a independência política de outros países.
"[O plano] é, de fato, problemático ao não tratar de pontos vitais, como a retirada das tropas russas do território ucraniano – lembremos que a Ucrânia foi invadida pela Rússia – e tampouco prevê como se daria a reconstrução da infraestrutura da Ucrânia. Essas lacunas não são de modo algum gratuitas. Basta ver que a Rússia apoia esse plano de paz, altamente vantajoso para os russos", explica Minhoto.
Ainda segundo o professor, além de ignorar a Carta da ONU, a proposta ignora o "bom senso". "Ignora a ONU e inclusive ignora o bom senso. O plano é omisso num ponto central, vital, fundamental. E indica que a Rússia pode querer "vender" essa omissão no futuro, negociando uma retirada em que ela, Rússia, não tenha que reconstruir nada do que destruiu em solo ucraniano", completa.
Durante o seu discurso na Assembleia-Geral da ONU nesta quarta-feira (25), o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, apontou que a Rússia está tentando ressuscitar um passado colonial e países como Brasil e China deveriam reconhecer isso ao invés de “tentar aumentar a sua própria influência global às custas da Ucrânia”.
Zelensky ainda afirmou que “acordos frágeis” dão a Vladimir Putin espaço de atuação política para seguir com a guerra na Ucrânia. “Este tipo de proposta ignora o sofrimento da Ucrânia, ignora a realidade e dá a Vladimir Putin o espaço político para continuar com a guerra”, apontou.
O presidente ucraniano, por sua vez, apresentou nesta sexta-feira (27) ao ex-presidente Donald Trump o que vem chamando de "plano de vitória". A estratégia não foi tornada pública, mas envolveria uma sinalização robusta de que a Ucrânia receberá um convite para entrar na Otan (aliança militar ocidental) e a autorização para usar armas ocidentais de longo alcance no território russo - que a Ucrânia invadiu em agosto.
Questionado sobre as falas do ucraniano, o presidente Lula afirmou apenas que se Zelensky “fosse esperto”, ele diria que a solução para a guerra entre seu país e a Rússia “tem solução diplomática em vez de militar”. A movimentação de Lula em busca de um Nobel da Paz
Ainda durante sua participação na ONU, Volodymyr Zelensky afirmou duvidar do “real interesse” da China e do Brasil ao dizer que Lula está atrás de um prêmio Nobel da Paz para sua ficha política.
A fala de Zelensky foi vista por integrantes da diplomacia brasileira como uma sinalização clara contra o presidente Lula. O petista e seus aliados já se movimentaram em outras ocasiões para que ele fosse indicado ao prêmio Nobel da Paz. O próprio Lula disse que conseguiria resolver a guerra, que já matou mais de cem mil pessoas, convidando Putin e Zelensky para tomar cerveja.
A movimentação em torno da indicação do nome de Lula para o Prêmio Nobel da Paz não é nova. Em meados de 2018, ganhou o entusiasmo de Lula quando o ativista argentino Adolfo Esquivel, que venceu o Nobel da Paz em 1980, criou um abaixo-assinado online para chamar atenção do mundo para o nome do atual presidente do Brasil. À época, Esquivel afirmou que Lula deveria receber o prêmio por, por exemplo, por desenvolver políticas públicas para superar a fome no Brasil.
Para o professor Antonio Celso Baeta Minhoto, a leitura de Zelensky sobre a atuação do Brasil neste plano desenhado pela China "parece bastante razoável com os interesses de Lula".
"Lula é um representante internacional da esquerda, bastante conhecido e prestigiado na Europa, onde a esquerda enfrenta muitas dificuldades e carece de líderes referenciais para animar a sua militância. Já houve no passado um movimento para dar a Lula o Nobel da Paz. Porém, àquela altura, não havia guerra e a ideia foi arquivada. Agora, esse projeto retorna com força renovada e principalmente os apoiadores de Lula, dentro e fora do Brasil, bem sabem disso", argumenta.
Fonte: Por Wesley Oliveira, especial para a Gazeta do Povo
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