Izalci Lucas
O ex-presidente Tancredo Neves disse da tribuna do Senado que os homens públicos devem saber ouvir “a voz rouca das ruas “.
Recolhe-se hoje no Brasil inteiro uma visão muito negativa em relação ao STF e ao governo que aí está. E isso não é bom nem para a justiça e nem para o sistema democrático.
O excesso de personalismo e de exposição pública de alguns eminentes ministros da mais alta corte pode estar maculando a imagem da deusa da justiça, representada aqui mesmo na praça dos três poderes na escultura de Ceschiatti. Uma deusa cega, de olhos vendados, pois que não deve julgar quem quer que seja pelo nome ou por sua ideologia, mas julgar os fatos à luz das leis, independente de quem está sendo julgado.
A deusa grega deve estar com vergonha de ali estar.
Todos sabemos que os cidadãos brasileiros que participaram das manifestações de 8/janeiro de 2023 foram presos antes das sentenças, julgados como manadas, e estão sendo suprimidas todas as instâncias de julgamento, o que significa também em suprimir o amplo direito de defesa.
Nessa linha o ex-presidente Michel Temer, com uma longa experiência política e competência jurídica, veio a público defender uma anistia “modulada” que significaria anistiar os manifestantes e permitir que sejam julgados, na primeira instância, como reza o direito para todos os brasileiros, apenas e somente aqueles com provas inequívocas de que tenham destruído bens públicos.
Esses devem ser julgados por depredação ao patrimônio público. Isso vale para todos, inclusive para aqueles que depredam instituições e com suas tintas colocam suas frases em pontes, prédios públicos e viadutos há anos. Isso existe diariamente e por apoiadores do atual governo.
Nunca foram julgados, mas o batom da cabeleireira a colocou presa e sem o contato com seus filhos menores.
É essa a justiça?
Na mesma linha também se pronunciou o ministro da Defesa do governo Lula, Múcio Monteiro, cuja experiência sabe bem o que seria, de fato, um golpe.
Ele sabe que isso não houve, bem como mostrou que militares das Forças Armadas jamais agiram na linha de um golpe militar. Não houve golpe, disse o ministro Múcio. Isso nós sempre soubemos.
Mas vamos ser claros. Os populares que manifestavam sua indignação com o resultado eleitoral estavam desarmados, e ainda que entre eles houvesse alguns baderneiros, seria absolutamente impróprio imaginar que estariam dando um golpe, sem canhões, sem metralhadoras, desarmados e sem apoio das Forças Armadas.
Posto isso, existem duas alternativas: a primeira é o presidente da República propor a anistia, a exemplo do que fez o presidente Juscelino Kubischeck nos episódios de Jacareacanga e Aragarças, pacificando o país, ou o Congresso Nacional usar as suas prerrogativas e aprovar urgentemente essa anistia.
A harmonia entre os poderes pressupõe que quando se verifica o excesso de um poder, os outros reequilibrem a paridade necessária à preservação do sistema democrático.
Essa é uma responsabilidade que nos cabe, inalienável ao poder que recebemos nas urnas.
Mas vamos analisar os dois lados, os aspectos e as vontades.
Desnecessário dizer ainda que, da mesma forma que militantes da esquerda julgam que o então juiz Sérgio Moro teria interferido nas eleições de 2018 ao condenar e prender Lula, os militantes de direita consideram que o poder judiciário está agora interferindo nas próximas eleições ao tornar inelegível o ex-presidente Bolsonaro.
Entretanto, no caso de Lula, sem fazer juízo de valor, havia uma denúncia de corrupção sistêmica. Havia provas com delações e, hoje há processos e julgamentos não só aqui no Brasil como em nossos países vizinhos da América do Sul, mas também nos EUA.
Aqui são inocentes, lá fora não o são. Aqui temos amigos do amigo do meu pai. Lá são julgados pelo crime que cometeram.
Já no caso do presidente Bolsonaro, a acusação seria ele ter se reunido embaixadores para falar de suas preocupações com o sistema eleitoral.
Mas o detentor de mandato não pode tornar público seus eventuais questionamentos? isso é crime? Claro que não. E todos sabem.
Além disso, foi é vergonhoso assistir o presidente da mais alta corte, numa discussão de rua, após as eleições, dizer a um manifestante: “perdeu, mané”. Ele foi impróprio e deixou claro que tem lado, o que não se coaduna com a função pública que exerce.
Essa situação anômala que atravessamos, exige de todos nós, parlamentares, uma discussão clara e uma tomada de posição definitiva.
Uma coisa é fazer justiça. Todos nós desejamos que ela exista, seja imparcial, e que todas as pessoas respondam na justiça pelos seus atos em desacordo com as leis. Outra coisa é justiçamento, próprio dos regimes autoritários ou de poderes despóticos.
Os mais renomados juristas do país têm afirmado que o julgamento pelo STF, e por um juiz auto nomeado não tem respaldo legal e significa uma clara supressão de instâncias.
Cidadãos sem foro privilegiado devem ser julgados na primeira instância, com direito aos recursos previstos em lei a instâncias superiores e não diretamente no Supremo, quando não há possibilidade de recurso.
Portanto, se julgados por um juiz auto nomeado e manifestamente parcial caracteriza-se uma afronta ao devido processo legal. E pior, referendada pelos seus pares.
Esses cidadãos presos previamente e condenados não têm nenhum direito de defesa. Os advogados não têm acesso aos autos e não podem fazer sustentação oral.
* Izalci Lucas é senador da República pelo PL/DF
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