
Juliana, Ana Flávia, Jaqueline, Josilaine, Débora e Edineia são algumas das mães de filhos menores de idade que seguem presas devido aos atos do 8 de janeiro (Foto: Arquivo pessoal)
Porto Velho, RO - “Minha filha mais nova, a Eva, tem uma almofada com a foto da mãe e dorme abraçada com ela todos os dias depois de chorar”, relata o barbeiro Paulo Henrique Barros. “Ela sente a ausência de um jeito que parte o coração”, continua.
Morador de Valparaíso de Goiás, cidade no entorno de Brasília, ele cuida dos três filhos desde que a esposa Juliana Gonçalves Lopes Barros foi presa devido aos atos do 8 de janeiro. “Estamos sofrendo como família”, afirma o pai, ao relatar que os filhos choram quase todos os dias, têm dificuldade para dormir e sempre perguntam de Juliana.
Além disso, “o Davi tem asma e precisa do cuidado que só a mãe sabe dar”, relata Barros. “E o mais velho está na adolescência e tem vários questionamentos relacionados a essa injustiça que está acontecendo com a mãe”, continua. “Ela sempre fez tudo por eles com amor, com entrega, com cuidado”, ressalta o marido.
Segundo a advogada Valquiria Sonelis da Silva, a dona de casa foi presa pela primeira vez em agosto de 2023, permaneceu três meses no cárcere e seguiu até fevereiro deste ano em prisão domiciliar. No entanto, foi levada novamente ao Presídio Feminino de Luziânia, em Goiás. Ela foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à pena de 17 anos.
Ainda de acordo com a defesa, diversos pedidos de prisão domiciliar já foram apresentados ao ministro Alexandre de Moraes com base na proteção às crianças, mas todos foram negados sob argumento de que Juliana “não seria indispensável ao cuidado dos filhos”.
O marido, no entanto, refuta a afirmação do magistrado, ao garantir que Juliana precisa voltar para casa porque as crianças (imagem abaixo) necessitam de sua presença. “A ausência da Juliana aqui não é só um vazio: é uma ferida aberta, que só vai cicatrizar quando ela voltar para onde nunca deveria ter saído.”

À Gazeta do Povo, a professora de Processo Penal Mariana Madera explica que o benefício da prisão domiciliar para mulheres com filho de até 12 anos é amplamente aceito pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive para mulheres condenadas, como é o caso de Juliana e outras cinco mães citadas abaixo, nesta reportagem.
Um exemplo disso, segundo a especialista, é o HC 906.182 do ministro relator Joel Ilan Paciornik. Nesse documento, o magistrado afirma que o STJ é “firme no sentido de que a norma penal que visa a proteção das crianças menores de 12 anos não distingue mães que cumpram penas definitivas daquelas submetidas à prisão cautelar”.
A mesma decisão também aponta que o entendimento majoritário do STJ é de que
a "concessão de prisão domiciliar às mães de crianças até 12 anos de idade não está condicionada à imprescindibilidade dos cuidados maternos".
Ainda de acordo com a professora da Universidade Católica de Brasília (UCB), em 2018, o próprio STF concedeu o Habeas Corpus 143.641 a todas as mulheres presas que tinham filhos menores de idade e que não haviam cometido delitos com violência, decisão que passou a ser usada em outros casos.
No entanto, ela explica que essa imposição de não ter cometido delito com violência ou grave ameaça é uma incógnita em relação ao 8 de janeiro, pois, “nesses casos, um dos crimes é o de abolição violenta ao Estado Democrático de Direito”. Portanto, Mariana informa que, para terem acesso ao benefício, a defesa dessas mulheres precisa sustentar que as rés não cometeram atos violentos, apesar de terem sido condenadas.
No caso de Juliana, por exemplo, o voto do ministro Alexandre de Moraes que sentenciou a mulher à pena de 17 anos aponta que a moradora de Valparaíso de Goiás realizou transmissões ao vivo em suas redes sociais durante os atos do 8/1, e que isso evidenciaria o “compartilhamento de conteúdo antidemocrático”.
Moraes ainda cita que a perícia identificou um vídeo no celular da goiana em que ela estaria conversando com outra pessoa e afirmaria que "só quebrou os vidros para entrar". A frase, de acordo com o laudo, reforçaria sua “participação na invasão e depredação dos espaços públicos”.
Débora Chaves, mãe de um garoto de 8 anos com TDAH, segue presa há 11 meses por vídeos gravados no celular
Outra mãe de menor de idade que segue presa devido ao 8 de janeiro é Débora Chaves Caiado, de 43 anos. Moradora de São Paulo, a mulher tem um filho de oito anos diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
“Ele está passando por psicólogo e psicopedagoga para ajudar na educação, pois não entende que uma mãe que não fez nada fique presa”, relata o pai Alexandre Salles Caiado, que trabalha como mecânico e conta que a esposa havia deixado o emprego de recepcionista para se dedicar ao cuidado do filho (imagem abaixo).

Ainda de acordo com ele, Débora ficou presa entre 8 de janeiro e 9 de agosto de 2023, e foi encarcerada novamente em junho de 2024. Desde então, segue na Penitenciária Feminina de Sant'ana, São Paulo, condenada à pena de 14 anos.
“E ela está com depressão, já perdeu entre 10 kg e 15 kg, sendo que já era magra, e deve estar pesando uns 45kg agora”, alerta o esposo, clamando pela liberdade da mãe de seu filho. “Ela nunca teve passagem na polícia, nunca respondeu processos.”
Segundo o voto do ministro Alexandre de Moraes, Débora foi presa no Palácio do Planalto e tinha imagens da destruição do prédio em seu celular. O magistrado cita também que o laudo pericial criminal do local não identificou imagens de vídeo relativas às condutas dela, “assim como não foram encontradas amostras que coincidam com seu perfil genético”.
“Essas pessoas foram condenadas por crimes multitudinários, então não existem provas de algo que a Débora tenha feito”, esclarece o advogado do caso, Pedrinho Villard Leonardo Tosta. “O simples fato de ela estar lá fez com que fosse condenada”, continua, ao apontar que a condenação já transitou em julgado, se tornando definitiva, e só pode mudar por meio de manifestações legislativas como a anistia.
Jaqueline Gimenez é mãe de 2 crianças e foi condenada a 17 anos por fotos e vídeos do 8/1
Mãe de dois filhos, de sete e dez anos, a mineira Jaqueline Freitas Gimenez (imagem abaixo) também segue encarcerada sem que existam provas individuais de que tenha cometido delito no 8/1. Ela foi condenada a 17 anos e cumpre pena na Penitenciária Feminina de Juiz de Fora (MG) desde 23 de maio de 2024.

“Tem sido horrível para nossos filhos, para toda a família e para ela, que está com presas comuns sem ser criminosa”, relatou o marido Wanderson Freitas da Silva em reportagem à Gazeta do Povo.
Segundo o advogado Hélio Junior, a moradora de Juiz de Fora foi julgada com base em fotos que tirou nos prédios públicos já danificados no dia 8 de janeiro de 2023, nas suas opiniões e na tese de crimes multitudinários.
“Uma mulher que não roubou, não matou, não cometeu crimes hediondos, mas, sim, permanece encarcerada por suas convicções políticas, porque discordou do sistema”, pontuou o advogado, em vídeo publicado nas redes sociais.
No voto do ministro Alexandre de Moraes que sentenciou Jaqueline, o magistrado cita as imagens encontradas no celular da mulher como “postura de claro apoio ao movimento” contra o governo eleito em 2022. De acordo com o magistrado, a mineira estaria em Brasília dia 8 de janeiro “para participar de atos golpistas” visando a extinção do Estado Democrático de Direito.
Ela foi condenada por golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de Patrimônio tombado, associação criminosa armada e por abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Crimes imputados aos presos do 8 de janeiro são impossíveis, afirma jurista
Entretanto, de acordo com o professor universitário Pedro Sérgio dos Santos, doutor em Criminologia e Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Pernambuco, os crimes pelos quais Jaqueline e os demais envolvidos no 8/1 foram condenados são impossíveis, conforme o artigo 17 do Código Penal (CP).
“Um crime não pode ser punido se existiu incapacidade do meio ou impropriedade do objeto”, apontou o professor em reportagem da Gazeta do Povo, em novembro de 2024, esclarecendo que, segundo a legislação brasileira, o meio utilizado para execução de um crime precisa ser eficaz para a concretização dele. “Não há como envenenar alguém com açúcar comum ou matar um indivíduo usando balas de festim”, continua.
Além disso, ele informou que o artigo 17 do CP também estabelece que o objeto utilizado para execução de um crime precisa ser próprio para a realização da atividade delituosa. “Se o indivíduo atirar em uma pessoa que já morreu por ataque cardíaco ou tentar furtar o próprio carro, não estará cometendo crime porque o objeto é impróprio”, ilustrou, atribuindo à lei o que ocorreu no dia 8 de janeiro.
“Quebrar uma cadeira ou uma porta não é dar um golpe de Estado porque o Estado está personificado nas pessoas que o dirigem, ou seja, no presidente, parlamentares e ministros”, explanou, ao afirmar que vandalismo aos prédios públicos não interfere no desempenho das funções dos representantes do Estado.
“Se aquelas pessoas quisessem mesmo dar um golpe, os meios que utilizaram não foram eficazes, e não se pune tentativa quando o meio é ineficaz ou o objeto é impróprio”, reafirmou, apontando que o crime cometido por alguns no dia 8 de janeiro foi o de dano ao patrimônio público.
Josilaine, Ana Flávia e Edineia também seguem presas, longe dos filhos
Ainda que juristas como o doutor em criminologia Pedro Sérgio dos Santos assegurem que os crimes imputados a essas pessoas são impossíveis e não podem ser punidos, as sentenças foram dadas. No caso de Josilaine Cristina Santana, do município mineiro de Contagem, a condenação foi de 17 anos, e a mulher permanece presa, com estado clínico de depressão no cárcere, e longe do filho de nove anos.
Segundo o voto de Moraes, que condenou a mulher à mesma pena dada a homicidas, a ação comprovada de Josilaine foi registrar “o exato momento em que ocorre a invasão, por meio da quebra das vidraças no Supremo”. De acordo com o documento, ela teria “tomado a frente nas invasões”.
Assim como ela, a brasiliense Ana Flavia de Souza Monteiro (imagem abaixo), de 37 anos, também foi presa e condenada devido a vídeos que gravou com seu celular durante os atos do 8 de janeiro e no acampamento em frente ao Quartel-General (QG) do Exército, em Brasília.
Ela foi presa dentro do Senado e, em seu interrogatório, afirmou que foi à Praça dos Três Poderes para “rezar”. Ana é mãe de uma criança de sete anos, segue presa na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a Colmeia, e foi condenada à pena de 14 anos.
Ainda em seu interrogatório, disse ter entrado no prédio “porque estavam jogando bombas e precisava se proteger”. Segundo ela, a polícia legislativa estava no local e não impediu a entrada das pessoas e nem a permanência delas. Além disso, conta que uma turma até “tentou entrar para vandalizar, mas o grupo que rezava impediu”.
Atitude semelhante é citada pela faxineira Edineia Paes da Silva dos Santos, presa com um terço e uma Bíblia durante os atos do 8/1, e condenada à pena de 17 anos. Edineia é mãe de dois filhos, uma menina de nove anos e outro maior de idade, e ela relatou à Gazeta do Povo, antes de ser presa novamente em 2023, que se aproximou dos prédios devido às bombas de gás durante os atos.

“Eu pulei a rampa [do Palácio do Planalto] e travei. Não conseguia correr. A única coisa que lembrei foi de me agachar e ficar ali para me proteger”, contou, afirmando que um policial a arrastou pelos cabelos até o interior do prédio.
O voto de Moraes, entretanto, afirma que a invasão decorreu devido à “adesão aos propósitos criminosos da horda golpista e não do intento de se proteger ou buscar abrigo”.
Edineia passou sete meses presa após o 8/1, saiu com uso de tornozeleira eletrônica em agosto de 2023, e foi levada novamente à prisão em junho do ano passado para cumprir pena definitiva.
Após o retorno à prisão, sua filha Maria Eduarda faz um apelo pelas redes sociais, questionando o motivo de terem tirado sua mãe de casa. “Por que minha mãe está presa?”, pergunta, afirmando que Edineia não estava armada e nem quebrou nada. “Estou esperando ela em casa” e “eu queria só avisar que eu ‘tô’ com muita saudade. Ajudem ela”, finaliza, chorando.
Fonte: Raquel Derevechi
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