O tribunal que tortura a verdade

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O tribunal que tortura a verdade


(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Porto Velho, RO - Meus queridos sete leitores, peguem seus cafés e acomodem-se. A manhã londrinense, outonal e preguiçosa, convida à reflexão, e hoje a mitologia, essa velha senhora sempre atual, nos oferece uma lente ideal para examinar o teatro do absurdo brasileiro.

Vamos falar de Procusto, um dos vilões mais sombrios da mitologia grega. Longe de ser um herói ou um modelo de virtude, esse personagem, cujo nome significa “O Esticador”, era um bandido disfarçado de filantropo.

Procusto vivia nas montanhas de Elêusis, onde mantinha uma hospedaria à margem da estrada que ligava Mégara e Atenas. Sempre que passava um viajante, Procusto o convidava a passar a noite em suas acomodações.

O que parecia gentileza, no entanto, era uma armadilha sangrenta. A hospedaria de Procusto possuía apenas duas camas de ferro: uma grande e uma pequena. Os viajantes de baixa estatura eram conduzidos à cama maior, enquanto os mais altos eram levados ao leito pequeno.

Então Procusto fazia o seguinte: para ajustar o hóspede ao tamanho da cama, ele torturava o pobre infeliz, esticando seus membros até destroncá-los ou cortando a cabeça e os pés da vítima, conforme o caso.

Em suma, a arte de Procusto consistia em torturar as pessoas para adequá-las ao tamanho da sua cama.

O Supremo Soviete Federal é um tribunal de Procusto moderno: no julgamento do suposto golpe de Jair Bolsonaro, o que se tem feito ali é torturar a realidade até adequá-la ao tamanho da narrativa do regime

Essa ânsia do tribunal em adequar os fatos à ficção ficou evidente no depoimento do ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes.

Diferentemente do que ele possa ter alegado durante a fase processual — e lembremos que o seu depoimento, ao estilo soviético, durou longas oito horas —, Freire Gomes, diante do tribunal, não usou a palavra “golpe” em nenhum momento e disse que o ex-presidente Jair Bolsonaro limitou-se a discutir artigos constitucionais com os chefes das Forças Armadas.

Freire Gomes ainda isentou o ex-ministro Anderson Torres e o ex-assessor presidencial Filipe Martins de qualquer participação nessas reuniões para discutir algo que, segundo ele mesmo, não era golpe nenhum, mas apenas uma consulta sobre artigos da lei maior do país (os quais, diga-se, não foram aplicados). O ex-comandante chegou a afirmar: “Não entendi o que você falou sobre ‘reuniões golpistas’. As reuniões de que participei foram normais, com o presidente da República e demais comandantes, nada mais que isso”.

O Imperador Calvo ficou furioso com as falas de Freire Gomes. Chegou a dizer que ele estava mentindo: “Solicito que, antes de responder, pense bem. Ou falseou na polícia ou está falseando aqui!”

Outra gravíssima inconsistência nas denúncias sobre o golpe — mais uma situação em que o hóspede da realidade não se encaixa no leito da narrativa — foi apontada pelo advogado Jeffrey Chiquini, defensor do tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo, o militar das forças especiais do Exército denunciado por estar nas proximidades da residência do Imperador Calvo em 15 de dezembro de 2022, com a suposta intenção de matá-lo.

Disse o advogado:

“Conseguimos demonstrar e provar que o relatório final da Polícia Federal é uma farsa. A nuvem do iPhone do meu cliente prova que ela não estava no dia e no local que a ficção criativa da Polícia Federal disse que ele estava. Naquele dia e naquele horário era aniversário do tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo e ele estava em casa, respondendo a mensagens de WhatsApp e comemorando com a sua família, conforme provam os documentos da Apple e do Rappi [aplicativo de entrega de comida]. Mas a PGR desconsiderou essas provas e meu cliente está preso há seis meses.”

Notem vocês, meus sete amigos, a semelhança com o caso do ex-assessor Filipe Martins, cujos dados de geolocalização também foram ignorados pela PF e pela PGR.

A farsa está cada vez mais clara. O Supremo Soviete Federal montou um amálgama stalinista, uma narrativa cuja fragilidade é diretamente proporcional à arrogância de seus autores. Para os Procustos do Brasil, é necessário torturar a verdade até que ela se deite, desfigurada e irreconhecível, em sua cama de ferro.

Fonte: Por paulo Briguet

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