
Porto Velho, RO - Firmemente empenhado em exibir o maior número possível de troféus de caça em nome de uma suposta “defesa da democracia”, o ministro Alexandre de Moraes decidiu, na semana passada, que duas septuagenárias doentes, condenadas por participação nos atos de 8 de janeiro de 2023, devem voltar para a cadeia. O motivo alegado por Moraes para revogar a prisão domiciliar é uma suposta violação das regras de uso das tornozeleiras eletrônicas, o que as defesas de ambas as idosas questionam. O episódio todo, recheado de arbítrios, é injustificado tanto do ponto de vista jurídico quanto, especialmente, do ponto de vista moral.
Iraci Nagoshi, 72 anos, e Vildete Guardia, 74 anos, já foram condenadas no Supremo pelo “pacote completo” do 8 de janeiro, ainda que a Procuradoria-Geral da República não tivesse coletado nenhuma evidência que as mostrasse cometendo qualquer tipo de vandalismo, ou planejando a deposição do governo Lula. Ambas já tinham sido vítimas de outro arbítrio de Moraes, em junho de 2024, quando voltaram para a cadeia apenas porque outros réus e condenados do 8 de janeiro haviam fugido do país. Depois disso, voltaram a cumprir prisão domiciliar, revogada na semana passada.
Enviar para o sistema prisional – cujas condições precárias o próprio Supremo atestou por unanimidade – duas idosas doentes, com residência fixa, é crueldade pura
As duas mulheres têm um histórico médico bastante grave. Iraci tem depressão, distúrbios renais, diabetes, trombose e sofreu uma fratura no fêmur e outra, recente, no cotovelo. O quadro de Vildete é ainda pior: trombose, osteoporose, bronquite asmática, retocolite, hérnia, tendinite, fascite plantar e um tumor que tem de ser retirado cirurgicamente; ela pesa cerca de 40 quilos e usa cadeira de rodas para se locomover. Com um prontuário desses, não é nada surpreendente que ambas necessitem de visitas constantes a médicos e outros profissionais de saúde, como fisioterapeutas, e seriam esses momentos que corresponderiam às alegadas falhas no monitoramento.
Na decisão que mandou Iraci de volta para a cadeia, Moraes afirmou repetidas vezes que “qualquer deslocamento para consulta médica ou realização de sessões de fisioterapia deveria ser previamente autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de conversão da prisão domiciliar em prisão preventiva”, com exceção de “situações de urgência e emergência”, que deveriam ser justificadas a posteriori. Este trecho surreal mostra a paranoia controladora de Moraes, que transformou o STF em microgerenciador do tratamento médico de presos, obrigando réus e condenados do Brasil inteiro, bem como seus advogados, a acionar a cúpula do Judiciário brasileiro toda vez que for preciso marcar uma simples consulta médica ou fazer fisioterapia, algo que poderia muito bem ser descentralizado, por exemplo por meio da Vara de Execuções Penais mais próxima. Não exageramos se dizemos que este parece um sistema desenhado para ser desobedecido, e com isso justificar as prisões em regime fechado dos considerados “inimigos da democracia”.
Não se trata apenas de um abuso jurídico, já que o artigo 117 da Lei de Execução Penal concede o direito à prisão domiciliar para “condenado maior de 70 (setenta) anos” e “condenado acometido de doença grave”. Enviar para o sistema prisional – cujas condições precárias o próprio Supremo atestou por unanimidade – duas idosas doentes, com residência fixa, é crueldade pura, a ponto de Moraes descrever “musculação, hidroginástica e pilates” como “atividades recreativas”, e não de reabilitação médica. O caso de Cleriston Pereira da Cunha, que morreu na Papuda antes mesmo de ser julgado, aparentemente não ensinou nada a ninguém, pelo contrário: se no caso dele havia os pareceres da PGR pedindo que fosse solto, nos casos de Iraci e Vildete a PGR não mexeu um dedo pela dignidade das idosas, mais uma vez exibidas como “exemplo” do que acontece àqueles que nossa juristocracia antidemocrática escolheu como inimigos.
Fonte: Por Gazeta do Povo
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