Os Vingadores da Democracia

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Os Vingadores da Democracia

Alexandre de Moraes ouve um dos advogados de defesa dos réus na ação penal que julga uma suposta tentativa de golpe de Estado. (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

Porto Velho, RO - Acreditei que estava preparado para acompanhar os acontecimentos dessa semana. Me enganei. Comecei a assistir o julgamento do “núcleo 1” (de onde saem esses termos?) e o que vi, logo no início, foram discursos políticos – não exposições jurídicas – vindos de um magistrado e de um procurador de Justiça.

Isso é sempre assustador.

Não se processa um réu usando argumentos políticos, como “a defesa da democracia”. Os argumentos usados para processar um réu devem ser baseados na lei e nas evidências, apresentadas e avaliadas de acordo com o devido processo legal.

O papel de um magistrado não é “defender a democracia”. O papel de um magistrado é zelar pelo cumprimento da lei. Defender a democracia é ocupação de políticos. Cada um deles entende democracia de uma forma diferente. Por isso existem diversos partidos e correntes ideológicas – algumas defendem até o comunismo, um regime de partido único onde vigora uma tal “ditadura do proletariado”. A defesa da democracia é uma atividade política; magistrados não devem se envolver em política. A bússola do magistrado deve ser a lei e o Direito, e nada mais. Abandonar a lei em nome da defesa da democracia é colocar fogo na casa para se livrar de baratas.

A instância mais alta do Judiciário passou a tratar cidadãos comuns que se manifestavam politicamente com um rigor não experimentado nem pelos criminosos mais brutais e perigosos do país

O que todos esperam de um processo judicial e de um julgamento é que eles sejam justos. Um réu não pode ser condenado ou absolvido com base na percepção da ameaça que ele representa. Um réu é condenado ou absolvido com base nas evidências apresentadas e na lei, de acordo com o devido processo legal.

Não é difícil apontar problemas graves, provavelmente insolúveis, com esse julgamento:

1. Violação do sistema acusatório
. Nesse sistema há uma clara separação entre as funções persecutória (a função de investigar para poder acusar, e de acusar para obter condenação) e a função jurisdicional (a função de julgar). Isso é o básico do básico do Direito. A função persecutória é da polícia e do Ministério Público; a função jurisdicional é do Judiciário. Para preservar a neutralidade e evitar que o juiz já comece o processo com um conceito pré-estabelecido, o Judiciário é inerte; ele não pode instaurar inquérito por iniciativa própria. Acontece que, neste caso, os inquéritos foram instaurados pelo próprio tribunal que agora vai julgar os réus.

2. O processo deveria estar na primeira instância, jamais na suprema corte. O único réu com foro privilegiado é Alexandre Ramagem.

3. Se, ainda assim, o processo fosse julgado na suprema corte, ele deveria ser julgado no plenário.
Foi ali que aconteceram os grandes julgamentos anteriores. O argumento de que isso atrapalharia a pauta do plenário não se sustenta; afinal, se a pauta do plenário não pode ser afetada pelo julgamento de uma suposta tentativa de golpe, envolvendo um ex-presidente, então para que serve o plenário?

4. Três juízes da primeira turma, que conduzirá o julgamento, deveriam se declarar suspeitos: um deles era supostamente alvo dos crimes sendo julgados e os outros dois ou atuaram em processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro ou o processaram.

5. Bolsonaro e boa parte das pessoas do “núcleo 1” estão sendo acusadas de atos protegidos pela liberdade de expressão: reuniões (que não são de execução) e atos de pensamento, reflexão ou cogitação – e a lei não pune isso.

6. A decisão de acusar os réus simultaneamente pelos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado não faz sentido. São crimes claramente irmanados, não é possível executar um sem executar o outro. A consequência de manter as duas acusações é a provável decretação de penas absurdamente altas.

Por volta de 2019 começou a funcionar no Brasil uma engrenagem que misturou Justiça com política de forma inédita, e cujo primeiro ato foi criar, de ofício, um inquérito para apurar “fake news”. Esse inquérito determinou a investigação da revista Crusoé por ter publicado uma “notícia falsa”. No final, constatou-se que a notícia não era falsa, mas ainda assim os editores da revista permanecem, até hoje, no tal inquérito, que ainda não foi concluído.

Sucederam-se a esse inquérito muitos outros, caracterizados por afastamento do devido processo legal e por “inovações” jurídicas. A instância mais alta do Judiciário passou a tratar cidadãos comuns que se manifestavam politicamente com um rigor não experimentado nem pelos criminosos mais brutais e perigosos do país.

Hoje, mais uma vez, o Brasil tem presos políticos, cidadãos exilados e uma corrente política – a Direita – que está sendo alvo de um processo de demonização e exclusão talvez só comparável com acontecimentos da ditadura Vargas. Nesse processo foi decidido que um dos políticos mais populares da história precisa ser extirpado da vida pública – ele, sua família, seus companheiros e, possivelmente, seus eleitores. Tudo isso para a alegria da cleptocracia, fruto da coligação formada por velhas oligarquias, com os seus novos figurinos, e a esquerda de sempre, agora rebatizada de bolivariana.

Esse plano vinha sendo executado à luz do dia com o apoio de muitos juristas e de boa parte da mídia. Mas uma coisa deu errado: Kamala Harris não venceu as eleições americanas de 2024. Essas eleições, na verdade, foram vencidas por um político – Donald Trump – que, como a história recente registrou, foi submetido a um processo muito parecido àquele pelo qual Jair Bolsonaro está passando.

E o jogo, que estava ganho, ficou incerto.

Fonte: Por Roberto Motta

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