Aceno de Lula a Trump sobre combate ao narcotráfico provoca questionamentos. (Foto: Ricardo Stuckert/Secom)Porto Velho, RO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta "recalibrar" seu discurso sobre segurança pública e combate ao narcotráfico. Ao telefone com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na terça-feira (2), afirmou "que a gente não precisa usar armas, a gente tem que usar a inteligência". Lula também acenou ao presidente norte-americano por auxílio no combate ao crime organizado e ao narcotráfico. Para especialistas, Lula pode estar se sentindo acuado - tanto no cenário interno como nas relações internacionais.
Para o doutor em Ciência Política e comentarista político internacional Leandro Gabiati, o presidente brasileiro acabou por admitir a necessidade de cooperação. “A agenda da segurança pública será um dos eixos das campanhas em 2026, e o que o governo provavelmente está tentando fazer, ao levar esse assunto para a agenda bilateral com Trump, é diminuir o caráter ideológico que há nessa discussão aqui no Brasil”.
Dessa forma, segundo o especialista, Lula poderá dizer que o governo está ativo e combatendo o crime organizado, inclusive com ações de cooperação entre Brasil e EUA. Outra amostra disso foi outra declaração do petista no telefonema com Trump: "vamos prender os brasileiros que estão aí", uma referência aos criminosos brasileiros que estão nos Estados Unidos.
O avanço dos EUA no combate ao narcotráfico na América do Sul
Especialistas também avaliam um cenário crítico para o Brasil diante do avanço dos Estados Unidos no combate ao narcotráfico na América do Sul. O constitucionalista Alessandro Chiarottino acredita que o cenário internacional pressiona o governo brasileiro a demonstrar, em tese, uma maior firmeza no enfrentamento ao narcotráfico. “Por isso Lula tenta mostrar [a Trump] que o governo brasileiro tem combatido e irá combater as facções”, reforça.
Isso porque Lula acionou Trump nesta semana para tratar do tarifaço sobre produtos brasileiros, mas fez questão de colocar no centro da conversa o pedido para reforçar a cooperação no combate às facções transnacionais.
“Muito disso pode estar relacionado ao avanço dos norte-americanos em ações contra narcotraficantes na América do Sul, como embarcações venezuelanas abatidas sob suspeita de seguirem carregadas com drogas rumo aos EUA”, complementa.
Assim, o governo Lula vê os EUA cada vez mais próximos de suas fronteiras, forçando-o a dizer que o Brasil está agindo ao lado dos americanos, apesar de o discurso não ser compatível com as ações práticas.
“Há poucos dias, Lula disse que os traficantes eram "vítimas dos usuários", tem resistido em classificar facções como terroristas, como Trump pode e deverá fazer, mas afirma ter políticas de enfrentamento ao crime organizado. Algo no discurso não fecha”, alerta o especialista em segurança pública Sérgio Gomes, investigador aposentado das forças federais.
Essa movimentação de Lula ocorre depois de o Palácio do Planalto ter recusado o pedido dos Estados Unidos para que organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) fossem classificadas como terroristas — demanda histórica de Washington, que considera a medida fundamental no enfrentamento a cartéis e facções aliadas ao narcotráfico internacional. Para críticos, Lula tenta recuperar terreno discursivo. De acordo com o comunicado oficial do governo brasileiro, Trump demonstrou “total disposição” para atuar ao lado do Brasil contra o crime internacional.
O fator Venezuela e o incômodo geopolítico
O novo tom brasileiro surge em um contexto de tensão entre os EUA e a Venezuela. O governo Trump acusa o regime de Nicolás Maduro de dar suporte a narcotraficantes que enviam cocaína ao território americano e pressiona aliados regionais a assumir posição clara. Embora Lula tenha evitado citar Caracas na conversa, diplomatas reconhecem que o petista está sob forte escrutínio externo.
O doutor em Direito Internacional Luiz Augusto Módolo afirma que o governo Trump enxerga o narcotráfico como uma ameaça ainda mais ampla e estrutural aos EUA. Não se trataria apenas do impacto direto das drogas — como aumento de dependência química, queda de produtividade e corrupção de agentes de segurança —, mas de um risco crescente de cooptação do próprio sistema de Justiça norte-americano. “Fenômeno que já se observa em países profundamente influenciados por facções criminosas.
"A Venezuela está completamente tomada, o Brasil já vive um estado avançado com domínio territorial importante das organizações criminosas e até na Europa há sinais preocupantes, como relatos recentes envolvendo países como a Bélgica, por exemplo", afirma.
Módolo também destaca que, para os Estados Unidos, a crise venezuelana deixou de ser apenas um problema político e passou a ser vista como um vetor direto do crime transnacional, batendo à porta do Brasil.
Para ele, Trump adotou uma postura mais dura porque considera o regime de Maduro responsável por, além de “roubar uma eleição sem o menor pudor”, ameaçar militarmente vizinhos, como a Guiana, e inundar o mercado americano com drogas.
“O governo Trump decidiu tomar medidas concretas porque a Venezuela se tornou parte ativa da engrenagem do narcotráfico internacional e um fator de instabilidade regional. Lula não deve se sentir confortável com isso e então propôs essa ação conjunta”, avalia.
Para o analista em Direito Internacional, o Brasil e o governo Lula tentam se manter como mediadores regionais, mas o custo político de defender Caracas cresce à medida que o combate ao crime transnacional se torna prioridade global.
Outro ponto destacado é que a aposta brasileira de atuar como ponte entre Trump e Maduro pode se voltar contra o Planalto, caso o petista seja associado ao enfraquecimento do combate às facções que se conectam ao narcotráfico internacional.
“Muito disso se justifica no discurso de acenar por ajuda de Trump no enfrentamento ao crime organizado. Isso revelaria uma espécie de "boa vontade" em agir em cooperação, em parceria com os Estados Unidos e não sob a influência direta dos norte-americanos”, reforça Sérgio Gomes.
Fonte: Juliet Manfrin


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