
David Gertner
A democracia brasileira repousa, ao menos em teoria, sobre três pilares: Executivo, Legislativo e Judiciário. No papel, são poderes independentes. Na prática, essa independência é frequentemente corroída por um sistema de incentivos políticos, pela personalização do poder e por um modelo de nomeações que raramente privilegia mérito ou imparcialidade.
Entre essas instituições, nenhuma concentra hoje mais influência — e polêmica — do que o Supremo Tribunal Federal.
O papel do STF
O Supremo não é um órgão político, embora suas decisões repercutam diretamente na política. Ele é, sobretudo, um guardião da Constituição. Quando o Congresso falha, quando o Executivo abusa, quando as instituições se curvam a interesses partidários, é ao STF que cabe impedir que o país abandone o Estado de Direito.
Mas o problema começa quando o guardião se torna ator político, protagonista de disputas, árbitro de narrativas — e, em alguns casos, parte interessada no jogo de poder que deveria fiscalizar.
Um Supremo cada vez mais ativista
A ascensão do STF como poder político não ocorreu por acaso. Ela é fruto de três fenômenos simultâneos:
1. A omissão crônica do Legislativo, incapaz de enfrentar temas complexos ou impopulares.
2. A expansão contínua do Executivo, que governa por medidas provisórias e força o Supremo a decidir, às pressas, o que deveria ser debatido pelo Congresso.
3. A personalização das nomeações, que cria ministros com vínculos diretos, às vezes íntimos, com os presidentes que os indicaram.
O resultado é um Supremo que legisla quando o Congresso se cala, governa quando o Executivo extrapola e arbitra conflitos para os quais não foi desenhado.
Quem nomeou os ministros — e quem ganhou com isso
A pergunta “quem nomeou quem” não é irrelevante.
Ela revela algo profundo: o STF brasileiro não é apenas um tribunal; é um mosaico de lealdades políticas acumuladas ao longo de décadas.
Lula nomeou a maioria dos ministros que hoje compõem a Corte.
Dilma completou o quadro com mais alguns nomes altamente alinhados a seu projeto político.
Temer nomeou um.
Bolsonaro nomeou dois.
FHC, apesar de mais distante no tempo, deixou uma marca importante com ministros de perfil jurídico sólido e reputação profissional reconhecida.
Não surpreende, portanto, que a Corte seja hoje composta majoritariamente por indicados de um mesmo espectro político.
Isso não significa necessariamente corrupção ou conluio — mas significa, sim, uma simetria de visão de mundo, que influencia decisões, prioridades, interpretações e limites.
Ao contrário dos EUA, onde mandatos vitalícios diluem interesses partidários ao longo de décadas, o Brasil tem um modelo híbrido, que combina mandatos longos (até 75 anos) com forte dependência do Executivo no momento da nomeação. Isso cria o risco de um Supremo sensível às pressões políticas que o formaram — e sobretudo ao governo que mais o moldou.
A responsabilidade do Executivo
Nenhum poder é tão responsável pelo quadro atual quanto o Executivo.
E isso vale para todos os presidentes.
São os presidentes que nomeiam ministros sem histórico jurídico sólido, sem experiência relevante nos tribunais superiores ou claramente alinhados a suas agendas políticas.
São os presidentes que escolhem aliados, advogados pessoais, amigos próximos e até militantes partidários para a mais alta Corte do país.
São os presidentes que aceitam — e alimentam — um sistema onde o Supremo se torna, na prática, uma extensão estratégica do governo ou um contrapeso seletivo, dependendo de quem está no poder.
Há que se perguntar: por que um presidente nomearia alguém que não representasse seus interesses?
A resposta é simples: porque não há incentivos para fazer diferente.
Sem mandatos curtos, sem sabatinas rigorosas, sem critérios objetivos de mérito, o Supremo se torna, aos olhos do Executivo, um capital político de longo prazo.
Um STF forte é essencial — mas não assim.
Não se trata de defender um Supremo fraco. Democracia exige um tribunal constitucional autônomo, independente e capaz de defender direitos fundamentais contra maiorias circunstanciais.
Mas autonomia não se confunde com protagonismo político.
E independência não se confunde com alinhamento ao governo que indicou a maior parte da Corte.
O Brasil precisa urgentemente revisar o modelo de nomeações, estabelecer critérios mais rígidos, ampliar a transparência, limitar a influência do Executivo e rediscutir o equilíbrio entre os três poderes.
Nenhuma democracia funciona quando um poder cresce às custas dos outros.
Nenhum país avança quando a Constituição vira palco de disputas interpretativas moldadas por conveniências partidárias.
Nenhuma sociedade amadurece quando justiça e política tornam-se indistinguíveis.
O Supremo deveria ser o espelho da Constituição — não do governo de turno.
* David Gertner, Ph.D., é ensaísta e escritor, ex-professor universitário e autor de dezenas de artigos acadêmicos citados internacionalmente. Seu livro mais recente, IA e Eu – A Inesperada Jornada de Liora e David, está disponível em versão digital e paperback na Amazon.


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