Projeto quer a Amazônia Legal sem Mato Grosso e provoca polêmica

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Projeto quer a Amazônia Legal sem Mato Grosso e provoca polêmica

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A propositura abre – no melhor sentido da palavra – mais espaço às lavouras e pecuária, mas cria embaraços internacionais para o agronegócio


Porto Velho, RO - Objetivamente, seria o mesmo que inverter a regra ambiental nas áreas de florestas mato-grossenses.

Ao invés de assegurar a preservação de 80% da cobertura vegetal, manter em pé apenas 20%.

Essa é a síntese do projeto de lei do deputado federal Juarez Costa (MDB), relatado por Neri Geller (PP), que pede a retirada integral de Mato Grosso da Amazônia Legal.

A propositura abre – no melhor sentido da palavra – mais espaço às lavouras e pecuária, mas cria embaraços internacionais para o agronegócio devendo resultar em barreiras econômicas.

As opiniões se dividem sobre o tema.Para virar lei e entrar em vigor o projeto passará por um labirinto na Câmara e no Senado, até chegar ao presidente Jair Bolsonaro para sanção, o que seria inevitável apesar de o vice-presidente Hamilton Mourão ser contrário ao mesmo.

As bancadas ruralista e ambientalista, brigarão no Congresso, e em Mato Grosso há mobilização por parte do ex-deputado federal tucano e executivo da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Nilson Leitão.

Apresentado em 22 de fevereiro, o projeto tramita desde o dia 9 deste mês de março e recebe tratamento discreto dos ruralistas, para não fomentar o debate, que é tudo que não querem.

Mato Grosso tem 903.207 km² com 50% dessa área em florestas nativas ou antropizadas, 40% em cerrado e 10% em pantanal.

O Código Florestal permite o corte raso de 20% da floresta, 35% no cerrado e 20% nos campos gerais. Mudando a regra a preservação em todos os biomas seria de 20%.

Entidades do agronegócio sustentam que o ativo ambiental estadual seja de 62%, mas ambientalistas questionam esse percentual, sem, no entanto, apresentarem números que o contraponham.

O governador Mauro Mendes (UB) sustenta posicionamento de reflexão sobre o projeto.

O governante reconhece que o mesmo poderá aumentar a produção primária com a incorporação de mais áreas, mas pondera que a saída da Amazônia Legal seria prejudicial ao setor industrial, uma vez que as indústrias mato-grossenses ganham desoneração de 75% do Imposto de Renda.

Esse incentivo, segundo ele, tem sido decisivo para o crescimento do parque agroindustrial presente em vários municípios.

Cauteloso, Mauro Mendes evita focalizar o embate entre produtores e ambientalistas.

Considerado escudeiro do presidente Jair Bolsonaro e representante do agro, o deputado federal Nelson Barbudo (PL) admite que não leu e que vai analisar o projeto, mas antecipadamente assume sua defesa desde que o mesmo seja uma forma de ampliar a área agrícola, "dentro dos preceitos da lei".

"Sou patriota, familiar, legalista e democrata", sustenta Barbudo, que em nome desse perfil acompanhará Juarez Costa. Também na Câmara, Valtenir Pereira (MDB) não teve acesso ao projeto.

Cauteloso, Valtenir disse que pesará os prós e os contra, e que levará em consideração as manifestações populares.

"Quero realizar audiências púbicas para ouvir moradores sobre as diversas realidades, pois cada uma tem suas particularidades".

Ainda na Câmara, Rosa Neide (PT) alerta dentre outras coisas para possíveis implicações comerciais internacionais caso o projeto vire lei.

Segundo ela, "retirar Mato Grosso é alterar a definição do Código Florestal, que quando colocou a definição dos biomas o fez com base em estudos científicos".

"Não tem uma lei para que você possa empurrar a divisão dos biomas. Você pode mudar alguma coisa, muito restrita, se algum estudo científico assim o apontar, pois o que está no Código Florestal foi o que o IBGE publicou com base em estudos. Além disso, a proposta retiraria Mato Grosso da área da Sudam, que implica em investimentos; das aplicações pelo Fundo de Desenvolvimento da Amazônia; e da área prioritária do Fundo Nacional do Meio Ambiente", completou.

A deputada entende que a proposta da mudança da lei será olhada pelo mundo como o chancelamento oficial do desmatamento e teme retaliações comerciais no mercado cada vez mais focado na produção ecologicamente correta.

Seu voto será contrário ao projeto.

Em nota a Prelazia de São Félix do Araguaia (1.200 km a Nordeste de Cuiabá) repudia o projeto, que, segundo ela, "interessa a ruralistas brasileiros e grandes proprietários de terra que já desmataram áreas de florestas nativas para além da porcentagem permitida e a grupos internacionais que têm grandes áreas de terra...".

Essa prelazia é a principal referência da igreja progressista em Mato Grosso, mas desde a morte do bispo emérito da mesma, Dom Pedro Casaldáliga, em agosto de 2020, perdeu força política e espaço na mídia nacional.

Com posicionamento divergente da Prelazia de São Félix do Araguaia, o ex-presidente do Sistema Famato, empresário rural e veterinário Rui Prado é favorável ao projeto, cita que há alguns anos o então senador Jonas Pinheiro, falecido em 2008, defendia a mesma tese de Juarez Costa e contava com apoio da Famato.

Rui Prado avalia que as políticas públicas para a Amazônia Legal sejam diferentes daquelas adotadas nas demais regiões, "e isso na verdade é uma trava burocrática que não faz sentido nem do ponto de vista operacional, nem ambiental".

Com essa trava, no entendimento dele, "a preservação das florestas, das nossas vegetações nativas, se dá por biomas; bioma floresta, bioma cerrado, bioma pantanal. Então, quando se fala em Mato Grosso, que tem floresta e que tem em sua maioria o cerrado, e em grande parte o pantanal, não faz sentido o Estado inteiro estar na Amazônia Legal".

Rui Prado reconhece a existência de diferenciação para corte raso nos diferentes biomas, mas vê essa regulamentação mais como entrave burocrático do que uma ferramenta que possa ser usada como preservação de áreas ambientais e resume seu posicionamento.

"Sou favorável, sim (ao projeto) à saída da Amazônia Legal, pois essa denominação para mim não representa nada; o que conta, como disse antes, são os biomas", disse.

Uma das referências da pecuária extensiva brasileira é São José do Xingu (1.200 km a Nordeste da Capital), divisor de Águas do Araguaia e Xingu.

Presidente do Sindicato rural do município, o empresário a agrônomo Fernando Tulha vê Mato Grosso na Amazônia Legal como uma pedra no sapato do produtor.

Segundo ele, são muitos os aspectos negativos, e o lado positivo é mínimo.

Tulha destaca que o percentual de reserva legal na floresta, de 80% é prejudicial ao produtor; e cita que a moratória da soja e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) dos Frigoríficos restringem a produção, e as rígidas cobranças da legislação ambiental dificultam a comercialização.

O lado "bom" ou positivo, na visão dele, "é coisa do passado" – em alusão à Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

O ontem da Sudam teria coincidido com o regime militar, que defendia a ocupação do vazio demográfico e o desenvolvimento nacional.

"Hoje, aquilo (a Sudam) acabou basicamente e aprova um ou outro projeto", concluiu.

Na Assembleia Legislativa, o deputado petista Lúdio Cabral define o projeto como "tiro no pé e absolutamente sem sentido".

Lúdio observa que Mato Grosso está sofrendo com o desequilíbrio do ciclo das águas decorrente do desmatamento nos biomas amazônico e cerrado.

"Se Mato Grosso sair da Amazônia Legal a reserva legal nas florestas cai de 80% para 20%, e no cerrado cai de 35% para 20%, ou seja, nas propriedades no bioma amazônico você estaria liberando para a atividade agropastoril 60% das áreas ora protegidas pela legislação federal".

Lúdio vai além do questionamento na esfera ambiental.

Médico, o deputado lança o olhar sobre a Saúde Pública.

Segundo ele, o SUS repassa aos municípios da Amazônia Legal 30% a mais do que o montante destinado a igual finalidade fora da região.

Exemplificando: as UPAs tipo VIII que atendem Cuiabá, Várzea Grande e Rondonópolis recebem, mensalmente, R$ 300 mil do repasse básico do Ministério da Saúde, mais 30% desse montante por se localizarem na Amazônia Legal, o que eleva o repasse para R$ 390 mil.

Cuiabá tem três UPAs do padrão VIII, que perderiam, juntas, anualmente, R$ 3,24 milhões.

O mesmo baque em idênticos percentuais atingiria os demais municípios.

Além das UPAs, também haveria retração de repasse de 30% para o Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (SAMU) destinar ao pagamento de suas equipes de suporte básico habilitadas e qualificadas.

À frente da Comissão do Zoneamento na Assembleia Legislativa, o deputado Dr. Eugênio (PSB) é favorável ao projeto, desde que a saída de Mato Grosso da Amazônia Legal não cesse o incentivo de redução do Imposto de Renda concedido ao segmento industrial.

"Ouvi o relator do projeto, Neri Geller, dizer categoricamente que a indústria não perderia a desoneração".

Dr. Eugênio quer o destravamento da tramitação do Zoneamento Socioeconômico Ecológico da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), que no modelo apresentado prejudica a economia do Vale do Araguaia, onde reside.

"Se sairmos, poderemos explorar as áreas úmidas de forma sustentável como faz o Araguaia Goiano, enquanto o Araguaia Mato-grossense permanece engessado", observa.

Sintetizando, o deputado explica que o zoneamento foi aprovado em Goiás, que não tem as barreiras ambientais existentes em Mato Grosso.Prático, o vice-governador Otaviano Pivetta (sem partido) explicou em poucas palavras o que pensa sobre o projeto.

Para ele, retirar Mato Grosso da Amazônia Legal seria uma amputação inaceitável, mas parte da área "é necessário".

Pivetta entende que os 50% do território mato-grossense no bioma amazônico, com cobertura por floresta devem permanecer na região; e que os 43% de área de cerrado, e os 7% do pantanal podem ser excluídos, por decisão do Congresso.

Esses percentuais foram apurados em levantamento feito pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema).

Contrário ao modelo da gestão florestal vigente, Pivetta resume observando que "não dá para continuar permitindo que os 47% do território sem floresta continuem 'invadindo' a Amazônia Legal".

Fonte: Por Eduardo Gomes da Reportagem DC

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