Terrorismo, coalizão e o possível retorno de Netanyahu em Israel

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Terrorismo, coalizão e o possível retorno de Netanyahu em Israel


O ex-primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu no Tribunal Distrital, em Jerusalém Oriental, em 23 de março de 2022. Netanyahu está sendo julgado por acusações de suborno, fraude e quebra de confiança em três casos distintos.| Foto: EFE/EPA/YONATAN SINDEL

Porto Velho, RO - O prospecto de uma crise política em Israel no próximo mês é grande. Diversos atentados terroristas ocorreram nas últimas duas semanas, custando vidas e afetando o debate político no país governado por uma frágil frente ampla de partidos. O governo de Naftali Bennet agora terá que lidar com o fato de que uma das principais parlamentares do governo cruzou a bancada e se juntou à oposição, tirando a maioria do governo, o que pode engatilhar até mesmo uma nova eleição, a quinta em menos de três anos.

O caso mais de violência foi na noite da última quinta-feira, quando ao menos duas pessoas foram mortas e outras doze feridas após um homem atirar contra a multidão na rua Dizengoff, uma das mais movimentadas de Tel-Aviv. O atirador fugiu e, até o momento em que essa coluna é escrita, não foi capturado, e nenhum grupo terrorista reivindicou as mortes. Já o ataque ocorrido em Hadera, no último 27 de março, que matou dois policiais e deixou outras doze pessoas feridas, foi reivindicado pelo Daesh, o Estado Islâmico. No dia 29 de março, cinco pessoas foram mortas a tiros em Bnei Brak, em um ataque terrorista reivindicado pelo grupo palestino Brigadas dos Mártires de al-Aqsa.

Antes desses ataques, no dia 22 de março, quatro pessoas foram mortas a facadas por um beduíno em Beersheba. Nenhum grupo terrorista reivindicou o ataque, porém, considerando os eventos posteriores, é possível que tenham conexão. Em menos de um mês, foram ao menos onze vítimas fatais. Nesse período, no dia 2 de abril, começou o Ramadã, o nono mês do calendário do Islã e o único nomeado no Corão. O mês, marcado pela prática do jejum ritual, costuma ser um período de confrontos em Jerusalém, por diversos motivos, desde celebrações religiosas muçulmanas sendo atacadas por grupos extremistas israelenses até a articulação de ataques por grupos palestinos.

Em meio aos episódios de violência, Benjamin Netanyahu, que foi premiê de 2009 a 2021 em sua passagem mais recente pelo cargo e hoje lidera a oposição, fez duras críticas ao governo. Elas se dividem em duas argumentações principais. Primeiro, de que o atual gabinete, por conter um partido árabe, a Lista Unida, não será “firme” em políticas de segurança, ao contrário do seu governo, no que se espera de uma retórica partidária. Segundo, de que o governo Bennet estaria tentando diminuir a presença do termo “terrorismo islâmico” em sua retórica em meio à organização da Cúpula do Negev.

O encontro, nos dias 27 e 28 de março, reuniu os ministros de relações exteriores de Israel, Egito, Bahrein, Marrocos e Emirados Árabes Unidos. Segundo o governo israelense, a proposta é tornar a cúpula um evento perene, anual ou bianual. Interessante lembrar que foi com Netanyahu no governo que Israel normalizou suas relações com os três últimos países da lista. Quem representou o governo israelense foi o ministro Yair Lapid, líder do Yesh Atid, o maior partido da coalizão governista de oito legendas, com 17 assentos no Knesset. A cúpula contou também com a presença de Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA. Pelo acordo de formação do governo, Lapid será premiê após Bennet, em agosto de 2023.

Cruzando a bancada

Na última quarta-feira, dia seis de abril, a parlamentar Idit Silman decidiu ir para a oposição. Ela fazia parte do Yamina, um partido de direita, liderado justamente por Bennet. Segundo ela, em sua carta ao premiê, o atual governo estaria arriscando “a identidade judaica do Estado de Israel”. O estopim da decisão foi a instrução do ministro da Saúde, Nitzan Horowitz, aos hospitais, para respeitarem a decisão da suprema corte e não impedirem a entrada de alimentos fermentados, chamados de chametz, durante a celebração da Pessach, a Páscoa judaica. Judeus praticantes não ingerem chametz na data, e a corte alegou que proibir a entrada desses alimentos seria uma conduta possivelmente discriminatória em relação aos não praticantes ou pessoas de outras religiões.

O ministro Horowitz é do Meretz, partido de esquerda e ambientalista de Israel, ou seja, trata-se de um choque dentro das previstas contradições da aliança feita para empossar o governo e tirar Netanyahu do poder. A política israelense é um tema bastante presente aqui em nosso espaço e os leitores talvez se lembrem que a única bandeira em comum da coalizão era remover Netanyahu do poder, afirmando que isso seria importante para maior lisura nos processos judiciais contra o ex-premiê. Na época, Netanyahu acusou o Yamina de trair seu eleitorado de direita ao fazer uma coalizão com a esquerda, com o centro e com os árabes. Além do discurso eleitoral, existiam sim contradições que poderiam cobrar o preço, cedo ou tarde. É exatamente o que está ocorrendo.

Bennet poupou sua ex-aliada das críticas, afirmando que Silman sofreu “pressão horrível” e “bullying” por meses de Netanyahu e seu partido, o Likud, até o momento em que ela “quebrou e cedeu”. Isso significa, então, o fim do governo? Não, por dois motivos. Primeiro, ninguém tem a maioria agora. O Knesset possui um número par de assentos, então, nesse momento, o governo possui sessenta parlamentares, a oposição outros sessenta. Caso mais um parlamentar cruze a bancada, aí sim poderemos ter um voto de desconfiança contra a coalizão Bennet. A casa, entretanto, está de recesso até o dia 8 de maio, com um mês que possibilita negociações e jogo político.

Possibilidades

Uma sessão extraordinária pode ser convocada durante o recesso, desde que solicitada por ao menos 25 parlamentares ou pelo presidente, presume-se que por razões de segurança nacional. Quais são os cenários possíveis, então? O mais grave para o governo seria o início de uma debandada, com Silman apenas puxando a fila. Parlamentares de direita descontentes com a coalizão podem deixar o governo com minoria. Um voto de desconfiança ainda assim não seria automático, já que parte da bancada de oposição é formada pela Lista Conjunta árabe, com seis assentos, e os partidos árabes dificilmente cooperariam com Netanyahu.

Netanyahu, como líder da oposição e do partido com maior bancada, o Likud, com 29 assentos, poderia tentar formar governo na atual configuração do parlamento. Ele possui boas relações com os partidos religiosos ortodoxos; curiosamente, lembremos que a crise tem ligação direta com uma pauta de costumes religiosos. Ainda assim, Netanyahu precisaria garantir ao menos mais seis cadeiras que atualmente estão com o governo, para “compensar” os números da Lista Conjunta. De todos os partidos que formam o governo, as maiores chances de Netanyahu estão em seduzir o Azul e Branco, do atual ministro da Defesa, Benny Gantz.

Gantz fez parte do governo Netanyahu anterior após romper com seu ex-aliado, Lapid. Ele também estaria descontente com a atual configuração de governo. Se Netanyahu trouxer Gantz para o seu lado, mais os partidos religiosos e os dissidentes do Yamina, ele terá 62 parlamentares. Poderá pedir um voto de desconfiança e formar um novo governo, sem eleições. Uma maneira de convencer Gantz é oferecer a ele o cargo principal de premiê, em um arranjo similar ao existente entre Bennet e Lapid. Um possui uma bancada maior, mas o outro é premiê, como “preço” de uma coalizão.

Caso consiga apenas mais alguns dissidentes, Netanyahu pode pedir a dissolução do parlamento, mas sem formar uma coalizão viável. Nesse caso, são novas eleições. E como a política israelense não é simples, o acordo entre Bennet e Lapid prevê que, em caso de dissolução do Knesset, o governo interino seria liderado por Lapid, que teria muito mais espaço na mídia e perante o público para melhorar sua posição eleitoral. Finalmente, existe a possibilidade de um governo de minoria. Em teoria, o governo israelense pode funcionar até o início de 2023 sem a necessidade de aprovar projetos ou leis, apenas com o arcabouço já existente.

No início do ano, entretanto, uma votação seria inevitável, para aprovar o orçamento nacional. Ocasião, inclusive, que originou a última crise parlamentar. Como resultado de todos esses eventos, o próximo mês será agitado em Israel. O recesso parlamentar, ao mesmo tempo que impede soluções rápidas, permite prazo para maiores articulações. O Ramadã vai até o dia Primeiro de maio, com a possibilidade novos ataques influenciando o debate público israelense. Recentes aumentos de casos de coronavírus e a guerra na Ucrânia também podem influenciar esse mesmo debate público. E, no fim, podemos ter o mesmo velho resultado dos últimos anos em Israel: novas eleições, um parlamento fragmentado e longas negociações para formar uma coalizão de governo.

Fonte: Por Filipe Figueiredo

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