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Literatura científica aponta que a ideação e as tentativas de suicídio são bem mais frequentes nas meninas do que nos meninos, ainda que sejam eles os que de fato mais morrem por esta causa| Foto: Bigstock

Porto Velho, RO - Que existe uma crise na saúde mental dos jovens, é algo que poucos psicólogos e terapeutas põem em dúvida. Também parece claro que a pandemia agravou a situação, ainda que o problema venha de antes. Mais complicado é dar números concretos – pela natureza fronteiriça de muitos transtornos e a dificuldade para conseguir dados entre menores –, e também discernir as causas: há as puramente conjunturais, mas também culturais e biológicas.

Alguns estudos mostram que os quadros de ansiedade, depressão ou condutas suicidas aumentaram a prevalência nos últimos anos, embora o começo da tendência à alta seja anterior. Segundo a versão europeia de um relatório publicado ano passado pela Unicef, em 2019 – antes de desenvolvimento da pandemia no continente –, 16% dos meninos e meninas de 10 a 19 anos sofriam de algum transtorno mental. Considerando-se só os anos da adolescência, dos 15 aos 19, a proporção aumentava para cerca de 18%.

Para além dos "macrodados", foram os próprios médicos e psicólogos que, da linha de frente, alertaram para esse aumento de casos. Assim fazia a chefe da área de saúde mental do Hospital Sant Joan de Déu de Barcelona, numa entrevista ao El País no último verão. Mais recentemente, a Associação Espanhola de Pediatria apontava a situação como “alarmante” em uma nota à imprensa, enquanto a sua homóloga americana declarava o “estado de emergência nacional” quanto à saúde mental dos menores.

Aumento das condutas suicidas e autolesivas

Preocupam em especial os dados referentes a comportamentos suicidas, seja no grau dos pensamentos, tentativas ou suicídios consumados. Em muitos países ocidentais, os suicídios estão aumentando há anos entre os jovens, enquanto sua prevalência entre o resto da população caía. Em geral, o número de suicídios consumados caiu em 2020 por causa do confinamento, mas depois voltou a aumentar, muitas vezes com intensidade maior do que antes.

Os comportamentos autolesivos estão há anos em alta, especialmente entre as meninas.

Sugerem isto algumas evidências indiretas. Por exemplo, em muitos hospitais da Espanha, aumentaram consideravelmente os atendimentos de urgência por temas de saúde mental, assim como ocorreu em outros países próximos, como a França. Por outro lado, o telefone contra o suicídio da Fundação ANAR atendeu, no ano passado, 145% a mais de chamadas de menores com intenções suicidas.

Também parecem ter aumentado nos últimos anos as condutas autolesivas, embora antes da pandemia a tendência já fosse claramente ascendente. Como explica um relatório do Hospital Sant Joan de Déu publicado no ano passado, as primeiras pesquisas sobre o assunto, realizadas nos anos 80 do século passado, indicavam uma prevalência entre os menores europeus inferior a 1%. No entanto, os estudos mais recentes apontam uma taxa muito superior, entre 15 e 30%, embora não haja homogeneidade entre os critérios de coleta de dados.

De todo modo, os depoimentos de enfermeiros e médicos de hospitais diferentes indicam uma realidade inequívoca: cada vez têm que atender mais jovens – sobretudo meninas – que, sem padecer de nenhum transtorno psiquiátrico, se autolesionaram.

A idade e o sexo importam

Daniel Rama é psicólogo especializado em adolescência, professor universitário e vice-presidente da Associação Espanhola de Psicologia da Criança e do Adolescente (APSNAE). Sua pesquisa e sua atividade clínica lhe oferecem uma posição privilegiada para abordar o fenômeno da crise na saúde mental dos jovens.

Rama diferencia a situação das crianças e dos adolescentes. "Por idade, os transtornos psíquicos (por exemplo, ansiedade, depressão, esquizofrenia ou transtorno bipolar) são muito mais frequentes depois dos 12 anos, ao passo que os de comportamento (hiperatividade, de atenção, comportamento antissocial) aparecem em idades mais baixas.”

Um fator a levar em conta, assinala ele, poderia ser a passagem do colégio para o instituto; um momento que, em sua opinião, implica uma mudança importante, e para o qual as crianças amiúde ainda não estão preparadas: "Aos 12 anos, nosso sistema educativo os despeja, com apenas umas conversas e um passeio pelo novo instituto, numa mudança bastante importante não só na metodologia educativa, mas também no modelo de socialização. Isso pode gerar sentimentos de desconfiança quanto à figura adulta e um aumento do sentimento de incompreensão e solidão". [A educação secundária na Espanha vai dos 12 aos 16 anos, e seu início implica uma mudança de ambiente escolar: as crianças saem dos colégios e vão para os institutos. (N. t.)]

Transtornos "internos", como a depressão ou a ansiedade, são mais frequentes nas meninas; os de conduta, em meninos.

Por outro lado, a literatura científica mostrou de forma consistente que o sexo dos jovens influi na saúde mental. Por exemplo, nos comportamentos suicidas. A ideação e as tentativas de suicídio são bem mais frequentes nas meninas do que nos meninos, ainda que sejam eles os que de fato mais morrem por esta causa. Alguns especialistas indicam que essa assimetria entre tentativas e mortes se deve em parte aos meninos dividirem menos os seus sentimentos negativos (o que explicaria, por exemplo, sua sub-representação entre os que ligam para os chamados "telefones da esperança"), e quando decidem acabar com a vida escolhem meios mais letais.

Mas, além do suicídio, Rama explica que "as meninas costumam internalizar mais os problemas (daí serem mais frequentes nelas os transtornos como a depressão, ansiedade, comportamentos obsessivos etc.), enquanto que os meninos são mais externalizantes (por isso estão sobre-representados entre os diagnosticados com TDAH ou problemas de comportamento)".

Superproteção, drogas e redes sociais

Não obstante, os fatores externos também desempenham um papel importante na saúde mental dos jovens. Por exemplo, os estereótipos culturais associados a cada sexo: "As mulheres são mais propensas a serem diagnosticadas com depressão, ansiedade e transtornos mentais comuns. Segundo números da OMS, elas têm 28% a mais de probabilidades de receber medicação psiquiátrica. Ademais, a tendência dos homens a não pedir ajuda psicológica ou não mostrar sintomas de depressão é outro motivo para haver alguns transtornos mentais que se diagnosticam mais em um gênero do que em outro".

A família é outro fator externo relevante. Rama se refere, por um lado, à desestruturação de cada vez mais lares, mas também ao estilo da criação: "Muitas crianças foram educados na superproteção. Isto lhes causa baixa tolerância à frustração, tendência a se esforçar pouco, e elevado alarme perante problemas que não são tão importantes".

Por outro lado, preocupa-o a normalização das drogas e do álcool: "Há um consumo precoce entre os jovens que está causando muito dano, com meninos e meninas que fumam maconha aos 13 anos. O consumo de álcool e maconha pode desencadear problemas de saúde mental como o trastorno de personalidade".

As redes sociais são, sem dúvida, outra preocupação dos psicólogos dedicados a menores de idade. O relatório do Save the Children supramencionado dedica um apêndice a esse tema. Em concreto, alerta sobre a existência de páginas que oferecem conselhos para o suicídio, e do efeito negativo que podem ter certos desafios viralizados através desses canais.

Hipersexualização e antecipação da puberdade

Rama se detém na hipersexualização da vida dos jovens que as redes sociais podem alimentar, quando se faz delas um uso inadequado. "As meninas sobretudo aparecem situadas numa falsa maturidade que não entendem, rodeadas por mensagens de conteúdo sexy que podem resultar em falta de segurança, na construção de jovens frágeis que se sentirão obrigadas a travar uma batalha com seu corpo em busca de um ideal inalcançável. A sexualização pressupõe também a imposição de uma sexualidade adulta às meninas e aos meninos, que não estão nem emocional, nem psicológica, nem fisicamente preparados para isso."

A sexualização em redes sociais e o acesso à pornografia afetam o desenvolvimento psíquico normal do jovem.

Pelos mesmos motivos, o acesso à pornografia em etapas precoces também é prejudicial. Alguns estudos assinalaram que seu consumo excessivo afeta o volume de massa cinzenta do lobo direito do cérebro, o que afeta funções como aprendizagem e memória. Em declarações para a Cuídate Plus, Sergio Oliveros, psiquiatra, explicava que a diminuição da atividade frontal e outras alterações cerebrais prejudicam "o rendimento cognitivo pela dificuldade para manter a atenção, concentrar-se ou memorizar conteúdos, o que interfere substancialmente no processo de aprendizagem em adolescentes e jovens, faixa etária em que o consumo é amplo".

Esse acesso precoce à pornografia coincide com outro fenômeno que está cada vez mais documentado: a antecipação da puberdade, especialmente nas meninas. Como explica Rama, "quando essa antecipação não está acompanhada de um aumento no nível de maturidade psicológica, gera dissonâncias que a pessoa não é capaz de compreender. Se à incompreensão que já se sente por si só no período da adolescência somarmos esta outra, temos adolescentes enfadados com o mundo e cansados dessas constantes contradições, o que se traduz em comportamentos ansiosos e depressivos cada vez mais alarmantes".

O efeito da pandemia

Se a situação da saúde mental entre os jovens já era preocupante antes da pandemia, esta piorou-a ainda mais. Segundo apontam alguns relatórios e departamentos de pediatria de diversos hospitais, aumentaram os casos de depressão, ansiedade, transtornos alimentares e de comportamento, mas também outros fenômenos mais graves, como esquizofrenia, transtornos bipolares e comportamentos suicidas.

Rama aponta algumas consequências indiretas da pandemia que puderam exercer um efeito negativo na saúde psíquica dos jovens. Por um lado, o aumento do tempo passado diante de telas, que já era excessivo e que "está relacionado a um número insuficiente de horas de sono e a um maior risco de sofrer problemas emocionais e de comportamento na população infantil". Por outro, os problemas laborais e econômicos nas famílias, que "geram uma sensação de incerteza nos menores".

Perante esse panorama tão pouco otimista, os profissionais da saúde mental estão insistindo na importância da família e da escola como "refúgios". Segundo explica Rama, os jovens que passaram o confinamento em habitações divididas com outros jovens experimentaram mais problemas psíquicos do que os que passaram com os pais. A seu turno, o estudo do CDC documentou uma menor taxa de depressão e ansiedade entre os estudantes que mantiveram um contato mais próximo com seu centro escolar.

Fonte: Por Fernando Rodríguez-Borlado

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