
Porto Velho, RO - Pobre jovem, eu rezarei por você.”
Essas foram as últimas palavras do padre holandês Tito Brandsma, segundo a enfermeira que lhe aplicou uma injeção letal por ordem do comando nazista, no campo de concentração de Dachau, há exatos 83 anos, em 26 de julho de 1942. No último sábado, comemoramos o dia deste santo católico, mártir da fé e da liberdade.
Nascido em 1881, Brandsma era sacerdote carmelita, atuou como professor universitário ― lecionava filosofia e história da mística na Universidade Católica de Nijmegen ― e em 1935 foi nomeado pelos bispos holandeses como assistente eclesiástico dos jornalistas católicos. Nesta última função, ele utilizou a rede de jornais católicos na Holanda para defender a liberdade de informação e combater a doutrina do nacional-socialismo. Seus corajosos artigos se tornaram uma referência para os que resistiam ao avanço totalitário no país.
Para os nacional-socialistas, Brandsma era um perigoso subversivo e propagador de ideias intoleráveis. Para a Igreja Católica, foi um mártir da fé e da liberdade
Em maio de 1940, as tropas de Hitler invadiram a Holanda. Como presidente da União das Escolas Católicas na Holanda, Tito Brandsma lutou contra o decreto nazi de expulsão das crianças judias e percorreu editoras e jornais católicos de todo o país, para evitar a impressão de propaganda nazista. Em 31 de dezembro de 1941, emitiu uma carta circular dirigida à imprensa católica, exortando os jornais a não publicarem anúncios do Partido Nacional-Socialista que difundiam o conceito de “superioridade racial” dos arianos. O texto da carta afirmava categoricamente: “Se publicarem esses anúncios, não deverão mais ser considerados católicos e não deverão e não poderão contar com os leitores e assinantes católicos”.
A audácia do padre Brandsma enfureceu os invasores nacional-socialistas. O jornal berlinense Fridericus chamou-o de “aquele professor maligno” e repudiou o seu incentivo à resistência cultural e espiritual do povo holandês. Tito Brandsma foi preso em janeiro de 1942 e enviado para o campo de trânsito de Amersfoort. De lá, foi deportado para o campo de extermínio de Dachau, onde havia o famigerado Pavilhão dos Padres (Pfarrerblock), para onde eram enviados os sacerdotes perseguidos pelo regime nazista. Ali foram aprisionados 2.720 padres, dos quais 1.034 encontraram a morte.
A entrada de Tito Brandsma em Dachau coincidiu com uma das fases mais terríveis daquele inferno totalitário. A alimentação, já insuficiente, tornou-se ainda mais escassa, ao mesmo tempo em que a direção do campo exigia maior esforço dos internos escravizados para a produção da máquina de guerra alemã. Diariamente havia mortes por inanição e a divulgação das terríveis “listas de transporte” para as câmaras de gás instaladas em Linz, perto do Rio Danúbio. Em fevereiro de 1942, logo após a chegada de Brandsma, 4 mil prisioneiros foram enviados para as câmaras de Zyklon-B.
Em cartas enviadas clandestinamente aos seus superiores, Brandsma manteve um tom de serenidade, sem se entregar a lamúrias e vitimizações. Sua única tristeza maior era estar longe da Eucaristia. Mesmo assim, chegou a dizer que se sentia em casa na prisão, pois Deus estava ao seu lado.
Em 26 de julho de 1942, o padre, jornalista e professor Tito Brandsma recebeu uma injeção letal de ácido fênico, por ordem da Allgemeine SS, como parte de um programa de experimentos médicos que os nacional-socialistas realizavam com prisioneiros, e que depois seriam listados como crimes de guerra e gerariam o Protocolo de Nuremberg. Durante o processo de beatificação de Brandsma, a enfermeira que fez a aplicação do veneno letal relatou: “Ele pegou a minha mão e disse: ‘Pobre jovem que você é, eu rezarei por você’”.
Para os nacional-socialistas, Brandsma era um perigoso subversivo e propagador de ideias intoleráveis. Para a Igreja Católica, foi um mártir da fé e da liberdade. Em 3 de novembro de 1985, o papa João Paulo II elevou Brandsma à dignidade dos altares, proclamando-o beato. Na homilia da missa de beatificação, o pontífice polonês disse:
“Os campos de concentração foram organizados segundo o programa do desprezo pelo homem, segundo o programa do ódio.
Por que teste de consciência, de caráter, de coração, um seguidor de Cristo teve que passar, que se lembrou de suas palavras sobre o amor aos inimigos!
Não responda ao ódio com ódio, mas com amor. Este é talvez um dos maiores testes da força moral do homem.
Desta prova saiu o vencedor Tito Brandsma. No meio da fúria do ódio, soube amar; todos, até mesmo seus algozes: 'Eles também são filhos do bom Deus, disse ele, e quem sabe se alguma coisa permanece neles...'
É claro que tal heroísmo não pode ser improvisado. Padre Tito a amadureceu ao longo de sua vida, a partir das primeiras experiências da infância, vividas no seio de uma família profundamente cristã, na amada terra da Frísia. Pelas palavras e exemplos de seus pais, pelos ensinamentos que ouviu na igreja da aldeia, pelas iniciativas de caridade que experimentou na comunidade paroquial, aprendeu a conhecer e praticar o mandamento fundamental de Cristo sobre o amor a todos, sem excluir os inimigos eles mesmos.
Foi uma experiência que o marcou profundamente, a ponto de guiar toda a sua vida. As atividades que o padre Brandsma realizou durante sua vida foram de uma multiplicidade surpreendente; mas, se se quisesse procurar o seu motivo inspirador e a sua força motriz, encontrar-se-ia aqui mesmo: no mandamento do amor levado às suas extremas consequências”.
Em maio de 2024, o papa Francisco presidiu o Consistório Ordinário Público em que foram reconhecidas as causas de canonização de Tito Brandsma e mais duas religiosas e as causas da beatificação de sete servos de Deus, entre eles o religioso francês Charles de Foucauld, ex-militar e explorador do deserto do Saara. A Congregação para as Causas dos Santos reconheceu um milagre atribuído a Brandsma: a cura de sacerdote carmelita com câncer terminal, em Palm Beach (EUA), em 2004. A ciência não forneceu explicações para a cura; e a Igreja admira a sua luta pela expressão da verdade, mesmo na Holanda ocupada, e o perdão concedido mesmo aos seus algozes, no inferno de Dachau.
São Tito Brandsma, rogai por nós!
Fonte: Por Paulo Briguet
0 Comentários