
Pavimentação da BR-364, no início da década de 1970
Porto Velho, RO - No século passado, enquanto o Sul mato-grossense contava com ferrovia ligando Corumbá, Miranda e Campo Grande a São Paulo e com uma rodovia que abria passagem ao vaivém entre a Capital paulista e Campo Grande, Cuiabá permanecia praticamente isolada ao Norte, circundada pelo vazio demográfico da região que mais tarde seria o remanescente Mato Grosso. Foi assim até a década de 1940, quando o governador Arnaldo Estevão de Figueiredo lançou um programa de ocupação territorial rural, que atraiu brasileiros de várias regiões, e que foi o pontapé para a interiorização da população então concentrada em Cuiabá e um grupo de municípios, distritos e vilas formado por Várzea Grande, Cáceres, Vila Bela da Santíssima Trindade, Barra do Bugres, Diamantino, Rosário Oeste, Nobres, Chapada dos Guimarães, Barra do Garças, Poxoréu, Guiratinga, Rondonópolis, Alto Araguaia, Santo Antônio de Leverger, Araguaiana, Barão de Melgaço, Porto Esperidião, Poconé, General Carneiro, Nossa Senhora do Livramento, Alto Paraguai, Alto Garças, Jaciara, Nortelândia, São Pedro da Cipa, Arenápolis, São Félix do Araguaia, Itiquira, Dom Aquino, Tesouro, Santo Afonso, Jangada, Acorizal, Torixoréu, Ponte Branca, Araguainha, Porto Estrela, Nova Xavantina e Aripuanã.
Arnaldo Estevão assumiu o governo em 1947 administrando a partir de Cuiabá, cidade que alguns anos antes recebeu um pacote de obras do presidente Getúlio Vargas a pedido do senador Filinto Müller. As conquistas cuiabanas com a urbanização pela ação de Müller frearam temporariamente a mobilização de Campo Grande para a transferência da Capital para aquela cidade, movimento que aconteceu durante décadas. Os avanços cuiabanos foram importantes, mas era preciso muito mais para a consolidação mato-grossense. Arnaldo Estevão viu no campo a solução para o problema, mas, ainda assim, não surgiam cidades nem havia aumento populacional significativo.
Mato Grosso precisava se desenvolver, mas para tanto o governo federal teria que investir em programas e obras, o que não acontecia em volume satisfatório. Além da população local, o Estado recebia garimpeiros de diamante, sobretudo nordestinos, e agricultores. Havia dificuldade na ligação entre cidades, a exemplo de Poxoréu e Rondonópolis, cujo trajeto era feito via Dom Aquino e a Pensão Seca, à margem da BR-163/364; a MT-130, rodovia que liga as duas cidades hibernava na galeria do programa rodoviário estadual, mas no final dos anos 1940 o garimpeiro Jacinto Silva, residente em Poxoréu, lançou mão de seus recursos, e com foice, machado, enxada e enxadão, abriu aquela rodovia num trajeto de 86 quilômetros transformando o então trecho de picada carroçável em leito rodoviário para passagem de caminhões, ônibus e automóveis. Nos anos 1980 o governo pavimentou a MT-130 e o então governador Júlio Campos a denominou Rodovia Deputado Osvaldo Cândido Moreno.
Também na década de 1940 o presidente Getúlio Vargas lançou a Marcha para o Oeste, em busca de um local para construir uma Capital, pois o governo temia que a Alemanha torpedeasse a então Capital, Rio de Janeiro. O coronel do Exército Flaviano de Mattos Vanique abriu um picadão entre Barra do Garças e o local onde surgiria Nova Xavantina. Barra pertencia a Araguaiana, distante 55 quilômetros da rodovia que liga Barra a Goiânia. Em 15 de setembro de 1948 o prefeito daquele município, Antônio Paulo da Costa Bilego, botou os móveis e a documentação da prefeitura em carroças e os levou para Barra, onde instalou a nova sede do município; o ato de Bilego antecipou o desenvolvimento de Barra, que assim tornou-se referência urbana para o então desabitado Vale do Araguaia, e hoje aquela cidade forma uma conurbação com Pontal do Araguaia e a goiana Aragarças, onde residem mais de 80 mil mato-grossenses e goianos.
Em 1953 Mato Grosso recebeu a primeira leva de japoneses e seus descendentes brasileiros. Esse grupo participou do projeto que visava produzir pimenta-do-reino no Gleba Rio Ferro, próxima ao local onde mais tarde surgiu Nova Ubiratã. A área pertencia ao empresário japonês Yassutaro Matsubara, mas quem respondia pela colonização era seu filho, Iosihua Matsubara, conhecido por Paulo Japonês. Por falta de calcário para correção do solo, o cultivo não se viabilizou e os colonos partiram para Cuiabá, Cáceres, Rondonópolis e outras cidades.
No começo de 1955, Daniel Moura, nascido em Porto Nacional, no Norte goiano, onde mais tarde surgiu Tocantins, assumiu a prefeitura do recém-criado município de Rondonópolis. A cidade era pequena e estagnada. Para atrair investidores, Moura escreveu dezenas de cartas e as enviou à sua região de origem, por mensageiro. Nos textos o prefeito 'pintava' um lugar utópico, além de assegurar que doaria terrenos públicos para que os destinatários que se mudassem para lá pudessem construir residências e empresas comerciais. A 'boa' mentira de Moura foi importante para o crescimento rondonopolitano.
Até 1962 não havia nenhuma cidade na região conhecida por Nortão. A primeira colonização naquela área foi implantada pelo empresário Guilherme Meyer, que em 1955 fundou Porto dos Gaúchos à margem do rio Arinos, no município de Diamantino. A vila de Porto dos Gaúchos era pequena e sem infraestrutura, mas o governador Fernando Corrêa da Costa queria transformá-la em cidade, para ser uma espécie de cunha ao desenvolvimento com a ocupação do vazio demográfico. Para agradar ao colonizador, Fernando Corrêa assinou a lei da emancipação em 11 de novembro de 1963, data que coincide com o aniversário de Meyer, que nasceu em 1921 no município de Santa Rosa (RS).
A divisão territorial que criou Mato Grosso do Sul aconteceu em 1977. A área dividida tinha melhor infraestrutura do que a remanescente. Até então, Mato Grosso era o segundo maior estado brasileiro, mas caiu para terceiro; de sua superfície com 1.260.353 km² restaram 903.208 km². A população global que era de 1.597.890 habitantes em 1970, depois de uma década caracterizada por grandes levas migratórias, baixou para 1.138.691, em 1980. Porém no final dos anos 1970 e começo de 1980 colonizadores e o governo fundaram Sinop, Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Alta Floresta, Colíder, Peixoto de Azevedo, Marcelândia, Guarantã do Norte, Apiacás, Paranaíta, Terra Nova do Norte, Campo Verde, Nova Brasilândia, Cláudia, Vera, Santa Carmem, Nova Guarita, Santa Rita do Trivelato, Tapurah, Juara, Juína, Sapezal, Comodoro, Água Boa, Canarana, Querência, Vila Rica, Campos de Júlio, Campinápolis, Gaúcha do Norte, Ribeirão Cascalheira, Primavera do Leste, Confresa, Curvelândia, Novo Mundo e outros municípios. Dentre os colonizadores e servidores públicos a serviço da colonização ganharam destaque Ênio Pipino, Norberto Schwantes, Ariosto da Riva, Claudino Francio, André Maggi, Sinjão Capilé, Ermínio Ometto, Gervásio Azevedo, Antônio Carlos Grimaldi, Hilton Campos, Zé Paraná, José Aparecido Ribeiro, Rubens Rezende Peres, Alair Álvares Fernandes, Lindomar Bett, José Kara José, Daniel Meneguel, Otávio Eckert, Raimundo Costa Filho e os irmãos Adelino, Ildo e Ivo Bedin.
O surgimento das novas cidades foi facilitado pela abertura da BR-163, a Rodovia Cuiabá-Santarém; e pelas rodovias BR-158, BR-174, BR-070 e BR-080. Moradores antigos em São José do Xingu contam que na fase de construção da BR-080 ligando Mato Grosso ao Pará, cruzando o rio Xingu, via Matupá – onde a mesma se junta à BR-163 – um impreciso cálculo de engenharia no agora entroncamento conhecido como Bituca, ao invés de direcionar o picadão à esquerda (no sentido Sul/Norte) o manteve reto e o levou adiante até a área onde mais tarde seria criada a cidade de Santa Cruz do Xingu. Por conta desse erro a sabedoria popular apelidou aquela mancada de Estrada Perdida. Graças a essa mancada Mato Grosso ganhou uma estrada para interiorizar sua colonização.
A abertura e consolidação de rodovias, o surgimento de cidades do dia para a noite e a migração iniciada em 1970 reconfiguraram Mato Grosso, mas não impediram o desnível econômico e social entre municípios caracterizando a base territorial mato-grossense por bolsões de cidades desenvolvidas e outras, estagnadas, nem impediram a concentração populacional em Cuiabá e Várzea Grande. Esses temas serão focalizados na próxima reportagem sobre os 275 anos da criação da Capitania de Mato Grosso em 9 de maio de 1748, com o título: Aluvião em Cuiabá e nos demais municípios.
Fonte: Por Eduardo Gomes da Reportagem DC
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