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Trump suspendeu a ajudar militar à Ucrânia após o desentendimento na Casa Branca com Zelensky. (Foto: EFE/EPA/Jim lo Scalzo/Pool)
Porto Velho, RO - No fim de fevereiro, a guerra na Ucrânia completou três anos sem perspectivas de uma solução definitiva no campo de batalha: os agressores russos e os defensores ucranianos seguem acumulando pequenas perdas ou ganhos territoriais, com a Rússia ocupando hoje parte razoável do leste ucraniano. Ninguém haverá de negar que um cessar-fogo que permita uma negociação com o objetivo de encerrar definitivamente o conflito é o melhor que poderia ocorrer no momento. O presidente norte-americano, Donald Trump, parece estar empenhado em atingir este objetivo.
Em que termos se deve buscar o objetivo da paz? Em qualquer guerra envolvendo uma invasão de um agressor injusto, o desfecho ideal sempre será sua derrota militar, com as devidas compensações à nação agredida e medidas que impeçam uma nova aventura expansionista no futuro. Mas e quando isso não é possível, devido às circunstâncias concretas do campo de batalha? Neste caso, concessões serão inevitáveis dos dois lados, mas sempre o lado que iniciou o conflito terá de arcar com a maior parte dessas concessões, e o mínimo aceitável é a garantia de que o agressor não voltará a atacar. Ao longo da história, isso tem sido feito de diversas formas ao fim de uma guerra, como a desmilitarização do antigo invasor, ou acordos que obriguem uma ou mais nações a vir em socorro do país que foi vítima do ataque. Existe uma “paz possível” que, mesmo sem ser a ideal, não se resume a um mero cessar-fogo ou apaziguamento.
Como isso se aplica ao caso da Ucrânia? O país tem resistido heroicamente a uma máquina de guerra que, mesmo sendo infinitamente mais poderosa, não consegue ocupar mais de 20% do território ucraniano. Mas, apesar da ajuda ocidental, faltam a Kyiv os meios para retomar totalmente os territórios invadidos. É direito seu seguir tentando, mas a um custo humano altíssimo, e maior para os ucranianos que para os russos. O presidente Volodymyr Zelensky, ciente disso, já mostrou disposição de abrir mão de territórios ucranianos ocupados pelos russos. Mas isso só fará sentido se houver uma garantia forte e formal de que a Rússia não voltará a atacar no futuro, usando a paz de agora para se rearmar com vistas a uma nova campanha de agressão.
Concessões serão inevitáveis dos dois lados, mas sempre o lado que iniciou o conflito terá de arcar com a maior parte dessas concessões, e o mínimo aceitável é a garantia de que o agressor não voltará a atacar
Tal garantia só parece possível com o ingresso da Ucrânia na Otan ou, no mínimo, com o compromisso formal de um número significativo de nações, comprometendo-se com a defesa da Ucrânia em caso de invasão – é a sugestão da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni. Qualquer coisa a menos que isso não é um acordo, mas uma submissão completa da Ucrânia à Rússia, e do Ocidente às pretensões expansionistas russas. Seria a repetição da “paz para o nosso tempo” de Neville Chamberlain após o Acordo de Munique de 1938, com o qual as potências ocidentais julgaram – muito equivocadamente – ter apaziguado Hitler.
Nessa linha, o que faria um grande negociador? Pediria muito mais à parte que demonstra mais resistência a fazer qualquer concessão e que, ainda por cima, é a agressora – no caso, a Rússia, que já afirmou sua disposição de seguir com a guerra até atingir todos os seus objetivos. O negociador hábil pediria, por exemplo, a devolução integral dos territórios ucranianos e o pagamento de uma indenização, mas tendo em vista que, diante da recusa esperada, não se poderia abrir mão do mínimo: em troca da não devolução do território, Vladimir Putin se comprometeria a nunca mais, sob nenhum argumento ou hipótese, voltar a atacar a Ucrânia, inclusive com ciência de que um conjunto de países se consideraria em guerra caso esse acordo fosse violado.
E quanto à parte agredida? A pressão sobre a vítima só faria sentido se ela não estivesse disposta a nenhuma concessão – em um caso extremo, no qual a outra parte demonstrasse clara intenção de negociar, seria razoável até deixá-la entregue à própria sorte. Mas não é que acontece aqui. A Ucrânia já demonstrou a disposição de entregar uma parte de si mesma, algo inimaginavelmente doloroso para uma nação soberana. Em troca, pede, como única condição, uma garantia sólida de que a Rússia não voltará a atacar.
É só dentro desse contexto, de uma claridade meridiana, que se pode analisar a maneira como os Estados Unidos vêm conduzindo as recentes negociações.
Donald Trump não tomou nenhuma atitude concreta em relação à Rússia. Até esta sexta-feira, havia simplesmente pedido a Vladimir Putin que parasse, insinuando que havia boa chance de ele manter os territórios invadidos – algo extremamente conveniente ao ditador russo, que conseguiria uma saída honrosa para parar momentaneamente a guerra e sair vitorioso sem nenhuma concessão. Foi só neste dia 7 que Trump ameaçou aplicar “sanções em larga escala e tarifas” enquanto não houver um cessar-fogo e um acordo de paz. Já é algo, sem dúvida; mas, quando se comparam as atitudes de Trump em relação a Putin e em relação a Zelensky, a contradição é gritante – e extremamente perigosa para o mundo livre.
Trump já havia proposto um acordo de exploração de minerais raros que se assemelhava a uma espécie de “compensação de guerra” pela ajuda enviada desde o início da invasão russa – o que é absurdo, já que estamos tratando do invadido, e não do invasor. Na semana passada, o norte-americano e seu vice, J.D. Vance, humilharam publicamente Zelensky durante a visita do presidente ucraniano à Casa Branca. Ato contínuo, os Estados Unidos suspenderam a ajuda militar e o apoio de inteligência aos ucranianos, deixando a Ucrânia em posição tão frágil que não restou a Zelensky outra escolha a não ser aceitar os termos do norte-americano. Mesmo assim, os EUA ainda cortaram o acesso ucraniano a imagens de satélite adquiridas pelos norte-americanos.
Eis a primeira contradição, pois, enquanto o agressor é alvo de ameaças, que podem ou não se concretizar, o agredido já recebeu um castigo que, segundo o governo americano, não lhe será retirado enquanto não houver negociações de paz. A segunda contradição está no fato de que, mesmo que Trump coloque em prática sua ameaça e imponha novas sanções à Rússia, ou intensifique as sanções já existentes, Putin já demonstrou ser capaz de contorná-las, com a ajuda de seus aliados – incluindo o Brasil de Lula. Já a Ucrânia foi severamente prejudicada pelo corte norte-americano, de uma forma que os europeus não têm como compensar ainda que elevassem subitamente a ajuda fornecida a Kyiv. Por fim, Trump tem reiteradamente descartado a possibilidade uma adesão da Ucrânia à Otan, tirando de antemão aquele que poderia ser o grande trunfo para se conseguir uma paz realmente duradoura. Em outras palavras, é como se Trump, sendo o crupiê em uma partida de pôquer, entregasse menos cartas a Zelensky e ainda o proibisse de usar os ases.
A forma como Trump vem tentando parar a carnificina na Ucrânia tem sido profundamente desigual – mais que isso, injusta, pois beneficia o agressor enquanto pune ainda mais a vítima da invasão
Trump tem a admiração e o respeito de muitos conservadores, especialmente por sua atuação na pauta de costumes e na contenção do identitarismo woke. Mas a forma como ele vem tentando parar a carnificina na Ucrânia tem sido profundamente desigual – mais que isso, injusta, pois beneficia o agressor enquanto pune ainda mais a vítima da invasão. É o oposto exato do que pede o analista conservador Bret Stephens, em coluna recente no New York Times: que a Ucrânia possa negociar com a Rússia em uma posição mais forte, de modo a conseguir garantias de que Putin não retome o ataque quando recuperar a capacidade militar russa.
Na melhor das hipóteses, Trump demonstra uma visão totalmente equivocada a respeito das próprias origens do conflito, como quando atribui a Ucrânia a culpa pela guerra devido à sua aproximação com a Otan. De fato, esse foi um dos motivos alegados pela Rússia para a invasão, mas, assim como as falas de Putin sobre uma “desnazificação” da Ucrânia, não fazem o menor sentido. A Otan já está a poucas centenas de quilômetros de Moscou desde 2004, quando os países bálticos aderiram à aliança. Desde a invasão da Ucrânia, a fronteira entre Rússia e países da Otan dobrou com a entrada da Finlândia. E os Estados Unidos sabem muito bem que a ampliação da aliança militar em direção ao leste sempre ocorreu a pedido dos ex-membros do Pacto de Varsóvia ou ex-repúblicas soviéticas, e os processos de adesão sempre foram marcados por certa relutância dos demais membros. Não é como se a Otan estivesse ativamente recrutando integrantes nas vizinhanças da Rússia; o que ocorre é o contrário, com os vizinhos buscando proteção por verem que o valentão da rua está de volta. Não foi a Otan que correu para as fronteiras russas, mas foram os países da Europa Central e do Leste Europeu que escolheram a aproximação com o Ocidente, incluindo a adesão à Otan. O discurso que culpa a Ucrânia pela guerra é mera propaganda russa, e é surpreendente que Trump o tenha comprado tão irrefletidamente.
Trump está em uma posição em que de fato pode encerrar a guerra. Mas conseguir uma paz completa e permanente exige compreender com clareza quem é o agressor e quem é a vítima, dar-lhes o tratamento correspondente e negociar concessões que reflitam as verdadeiras responsabilidades no conflito – o que, no caso, significa que a Rússia terá de ceder muito mais que a Ucrânia. Mas, no momento, mesmo com a recente ameaça de mais sanções à Rússia, não é este desfecho que está se desenhando, e as consequências de uma negociação ruim são catastróficas para o presente, pois podem significar a continuação do conflito, e para o futuro, pois a falta de assertividade na resolução desta guerra pode incentivar o expansionismo de outras nações.
Fonte: Por Gazeta do Povo
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