Árvore artificial, desmatamento, hotel de luxo: os fiascos da COP-30

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Árvore artificial, desmatamento, hotel de luxo: os fiascos da COP-30

No modelo das árvores artificiais, trepadeiras crescem em volta de vergalhões reaproveitados. Segundo a autora do projeto, a arquiteta Naira Carvalho, a ideia surgiu porque o solo da região não é apto para plantio (Foto: Leonardo Macêdo/Ascom Seop)

Porto Velho, RO - O governo federal escolheu Belém, a capital do Pará, para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30). Será a primeira vez que o evento internacional é realizado dentro da Amazônia.

O cenário pareceu o pano de fundo perfeito para mostrar a cara do Brasil (ou pelo menos a que desejavam mostrar) para os líderes, cientistas e representantes de 196 países, que visitarão a cidade de 10 a 21 de novembro deste ano.

Mas nem os encantos da maior floresta tropical do mundo podem fazer uma conferência climática dar certo. A outra face de Belém, composta por parte da população vivendo em condições precárias, não combina com a imagem que o Brasil quer vender. A cidade ocupa a 11ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das capitais do país.

O governo injetou R$ 4,8 bilhões para promover melhorias na cidade. O problema é que o dinheiro está sendo usado para maquiar Belém, enquanto a população belenense convive com o cheiro do lixo exposto nas ruas e do esgoto a céu aberto para mais de 80% das casas.

Para agravar a situação, o governo federal e o governo local, do prefeito Igor Normando e do governador Helder Barbalho (ambos do MDB) promoveram uma sucessão de medidas duvidosas que vão de encontro ao objetivo do evento.

Árvore de material reciclado, desmatamento da floresta para fazer estrada, extração histórica de petróleo e hotel de luxo numa cidade de alto déficit habitacional são algumas das controvérsias que cercam o evento.

O ministro das Cidades, Jader Filho, garante que Belém não passará por uma transformação superficial. Na Copa do Mundo de 2014, também sob mandato do petista, o governo argumentava que os investimentos eram para melhoria nas cidades – o famoso legado.

Um levantamento da Gazeta do Povo nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo mostrou que muitas das obras previstas enfrentaram atrasos significativos para conclusão, outras permanecem inacabadas ou foram abandonadas.

Além de fazer uma COP dentro da Amazônia, o Brasil tem interesse em atrair investimentos estrangeiros para transição energética, parcerias e projeção internacional do país, bem como do presidente Lula, principalmente para ganhar espaço na ONU. Por enquanto, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas está sendo muito pouco ecológica: gerando muito calor e pouca luz.

Confira abaixo os principais fiascos do evento, que ainda nem começou.

Hotel de luxo: valor beneficiaria moradia de 120 mil famílias

O governo do Pará vai levantar um hotel de luxo, com 405 suítes, no valor cerca de R$ 200 milhões, financiado com dinheiro público, por meio de um convênio com a Itaipu Binacional. A Vila COP-30 estará localizada no Parque da Cidade, que está sendo construído no centro de Belém para a conferência. O hotel cinco estrelas vai hospedar por apenas duas semanas os líderes, entre 10 e 21 de novembro. Eles terão acesso especial do hotel para o evento.

A Itaipu Binacional justifica que o projeto se enquadra na “missão socioambiental”.

Entre suas outras iniciativas de bondade, estão a destinação de R$ 81 milhões para uma cooperativa que integra o MST (Movimento dos Sem Terra) e investimento no Janjapalooza. A oposição ao governo Lula no Congresso quer abrir uma CPI para investigar o uso dos recursos da usina, pois vê desvio de finalidade, má gestão e uso político e eleitoreiro de Itaipu.

Enquanto isso, os moradores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste pagam quase o dobro pela energia porque, em vez de a tarifa ser calculada exclusivamente com base no custo do serviço de eletricidade, conforme o acordo, a tarifa da usina tem sido fixada por negociações entre Brasil e Paraguai. Ou seja, são os interesses dos dois governos que vêm determinando o peso de Itaipu na conta de luz dos consumidores de dez estados e do Distrito Federal.

O governo do Pará diz que a obra faz parte da estratégia de ampliação da oferta de hospedagem. E que depois da COP-30 este espaço será utilizado como centro administrativo do governo, abrigando secretarias que hoje estão em prédios alugados.

Com este mesmo valor de R$ 200 milhões, o governo do Pará poderia beneficiar mais de 120 mil famílias de Belém com o programa habitacional Sua Casa. Criado em 2019, o auxílio é voltado para pessoas em situação de vulnerabilidade social e o dinheiro pode ser usado na construção, reconstrução ou reforma de suas moradias.

E se cortarmos da floresta para preservar a Amazônia?

Outra incoerência desta COP é cortar 13 quilômetros de floresta amazônica para construir uma nova rodovia a fim de melhorar o tráfego em Belém. A proposta do evento é justamente discutir a importância de manter as florestas em pé para mitigar as mudanças climáticas.

Além de ir totalmente contra o propósito mais urgente da reunião internacional, que é alegadamente combater as mudanças climáticas, moradores e ambientalistas afirmam que a obra causa desequilíbrio na fauna e flora, e prejudica residentes do entorno que vivem do que a floresta oferece, por exemplo, da colheita do açaí, segundo moradores da região com os quais a BBC conversou.

O governo diz que a rodovia é sustentável e que o projeto não faz parte do pacote de investimentos da conferência. É uma obra de mobilidade para mais de dois milhões de pessoas na Região Metropolitana de Belém. A ideia já tinha sido proposta outras vezes, mas sempre foi engavetada devido a preocupações ambientais. Agora, projetos de infraestrutura têm sido aprovados a toque de caixa para receber a cúpula da COP-30.

Hospedagem para três pessoas por R$ 2,2 milhões

A estimativa é que Belém receba em torno de 60 mil visitantes no período da COP-30. Sua capacidade hoteleira é de pouco mais de 25 mil quartos. Além do hotel de luxo estatal que vai tentar minimizar a falta de leitos com suas 405 suítes, os governos federal e estadual consideram o uso de embarcações como hospedagem, além de direcionar os participantes para cidades vizinhas e ampliar a adesão do aluguel de temporada pelos belenenses.

A cobrança de acomodação por quartos, casas e apartamentos acabou tomando uma proporção desmedida. No site do Booking, os valores passam de R$ 2,2 milhões para o período de 10 a 21 de novembro, quando acontece a conferência.

No site do Airbnb, há pacotes para o período da COP-20 que chega a 130 mil, dependendo da localização, estado do imóvel, quantas pessoas comporta. Por exemplo, um mesmo quarto que anuncia a diária a R$ 115 em maio cobra R$ 2,8 mil nos dias do evento. Com taxas, o total é de R$ 35.347 de 10 a 21 de novembro.

“Temos visto um aumento desproporcional dos valores de aluguel e entendemos que é um movimento de especulação imobiliária que deve se estabilizar com o aumento da oferta de leitos na qual o governo está trabalhando”, disse Valter Correia, secretário extraordinário para o evento.

Investimento para receber melhor o visitante em área sem saneamento

Os governos federal e estadual vão investir em melhorias no Porto do Outeiro para melhorar a área de recepção aos turistas. O entorno, porém, é povoado por famílias sem acesso a serviços básicos, como saneamento e água limpa. Os moradores ainda enfrentam uma forte erosão que ameaça suas casas.

No pacote de soluções de hospedagem, o governo federal contratou dois navios de cruzeiro, que juntos têm capacidade para hospedar 9.500 visitantes. A atracagem dos transatlânticos, no entanto, requer adaptações.

Inicialmente, o governo Lula e de Helder Barbalho previam realizar uma dragagem de alto impacto ambiental no Porto de Belém, que é mais central. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade autorizou, mas depois a licitação foi cancelada, segundo reportagem da Folha de S. Paulo.

Com isso, o investimento passou a ser na duplicação do terminal hidroviário do Porto de Outeiro, que fica no bairro Brasília, a cerca de 30 km da região central de Belém. É para melhorar a área de recepção dos visitantes.

Além disso, o governo vai reformar, a um custo de R$ 68 milhões, 17 escolas que, durante a COP, funcionarão como hostels.
Bairros de Belém estão sendo asfaltados para a COP-30 (Foto: Carlos Tavares/ Agência Pará)

Árvore artificial… dentro da Amazônia

Belém é considerada a porta de entrada para a Amazônia, o mais rico bioma do mundo. Ainda assim, o governo do Pará instalou “árvores artificiais” na região onde acontecerá a COP-30 e na avenida Tamandaré receberá 100 destas estruturas. Depois de críticas, o nome foi alterado para "jardins suspensos".

As trepadeiras crescem apoiadas em uma estrutura feita de vergalhões reaproveitados de construções. Segundo a arquiteta responsável pelo projeto, Naira Carvalho, as estruturas vão fornecer sombra e conforto nos locais onde é inviável plantar árvores reais por falta de espaço para raízes ou pela disponibilidade do solo.

A inspiração, diz ela, foram as Supertrees Grove, um complexo arquitetônico futurista construído em Singapura, no sudeste asiático. Lá, são 12 árvores artificiais, de 25 a 50 metros (equivalente a um edifício de 16 andares), com iluminação à noite, geração de energia a partir de painéis solares, sistema de captação de chuva para irrigação e composição de mais de 163 mil plantas de 200 espécies diferentes, incluindo orquídeas e samambaias, segundo o G1.

O “jardim suspenso” de Belém tem cerca de 2,5 metros, sem as mesmas utilidades.

"Essa decisão revela não apenas um preocupante grau de desconexão com a realidade amazônica, mas também uma afronta direta aos princípios defendidos pelos grandes marcos globais que orientam a ação climática e ambiental, como o Acordo de Paris", publicou em nota a coalizão formada por organizações ligados aos povos da floresta, chamada COP do Povo.

Margem Equatorial: Brasil quer petróleo da região Norte

Por último, mas não menos controverso, na contramão do propósito da COP-30 de discutir como reduzir emissões de gases de efeito estufa, o governo passa por uma briga interna acalorada para explorar petróleo na Foz do Amazonas, bacia no litoral Norte, próximo a Belém.

Na faixa de águas profundas que vai do litoral do Rio Grande do Norte ao Pará, chamada de Margem Equatorial, estima-se encontrar ao menos 10 bilhões de barris de petróleo comercialmente viáveis. É um volume semelhante ao do pré-sal, de 12 bilhões de barris.

O governo calcula arrecadar aproximadamente R$ 1 trilhão com a produção deste petróleo e diz que este volume vai ajudar inclusive na transição energética.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), porém, até hoje não concedeu as licenças ambientais sob o argumento que a Petrobras não apresentou ainda um plano robusto em caso de vazamento de óleo.

A bacia fica a 540 quilômetros da foz do Rio Amazonas e defronte à Floresta Amazônica, onde se concentra um vasto bioma e comunidades indígenas e ribeirinhas. Lula já afirmou que a exploração vai acontecer.

Fonte: Por Raphaela Ribas

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