
Porto Velho, RO - O senador Esperidião Amin (PP-SC) apresentou uma emenda ao projeto do Novo Código Eleitoral para garantir que críticas ao sistema eleitoral não sejam consideradas crime. A sugestão surge após uma série de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) de censurar perfis por declarações contrárias às urnas eletrônicas – ainda que não exista lei que tipifique esse tipo de manifestação como crime.
A proposta de Amin foi inicialmente rejeitada pelo relator do texto, senador Marcelo Castro (MDB-PI), mas ainda poderá ser debatida durante a sessão, caso algum parlamentar apresente um pedido de destaque. O Projeto de Lei Complementar 112/2021, conhecido como Novo Código Eleitoral, está previsto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta quarta-feira (2).
Influenciadores e imprensa foram alvos de censura do TSE em 2022
O influenciador Bruno Monteiro Aiub, o Monark, foi um dos alvos do STF por considerar medidas impostas pelo TSE como abusivas, durante as eleições gerais de 2022. Além de ser investigado no Inquérito das Fake News, Monark teve todas as suas redes sociais bloqueadas após uma entrevista, em seu canal no YouTube, na qual o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) comentou sobre possíveis fragilidades nas urnas eletrônicas.
Bruno Gimenes, mestre em Ciência Jurídica pela UENP, destaca que a legislação brasileira não considera crime a manifestação crítica contra instituições ou sistemas, como as urnas eletrônicas ou o processo eleitoral. “Tampouco existe o crime de ‘propagar informações falsas contra coisas’. O que existe é o crime de ofender a honra de pessoas, não de coisas”, afirma. Segundo ele, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) extrapolou suas competências ao criar modelos de infração por meio de resoluções — normas hierarquicamente inferiores às leis — para restringir a liberdade de discurso no contexto eleitoral.
Gimenes se refere a uma resolução, aprovada pelo TSE às vésperas do segundo turno das eleições de 2022, que concedeu à Corte poder de polícia para determinar, por iniciativa própria, a remoção de conteúdos da internet classificados como “desinformação”, ainda que não houvesse provocação de qualquer parte. A norma também autoriza a “suspensão temporária” de perfis e canais que, segundo critérios subjetivos, divulgassem de forma sistemática informações “falsas ou descontextualizadas”.
Censura do TSE permaneceu após período eleitoral
O cientista político e professor do Insper Fernando Schüler destaca que a crítica é um direito do cidadão. “Criticar as leis ou sistemas públicos é um direito inalienável do cidadão. O cidadão deve cumprir a lei. Não pode usar da violência contra o sistema, não deve descumprir uma ordem judicial. Mas a crítica deve ser livre”, afirma.
“Se acha que nossa legislação antidrogas está errada? Pode criticar. Se acha que nosso sistema eleitoral é falho? Pode criticar. Se acha que nossas leis ou decisões sobre liberdade de expressão são equivocadas? Pode criticar”, exemplifica.
Na contramão desse entendimento, o próprio TSE divulgou, em outubro de 2022, que foram suspensas 153 postagens que “disseminam fake news sobre as urnas e o processo eletrônico de votação”. Na época, o então presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, também determinou a exclusão de outras 25 publicações que se tratavam de “desinformação” sobre a disputa presidencial.
Veículos de comunicação, como a Gazeta do Povo e a Jovem Pan, também foram alvos da censura eleitoral promovida pelo TSE. A Gazeta do Povo teve um post removido por ordem do da Corte, em que citava o apoio do presidente Lula ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. Já a Jovem Pan foi proibida de repetir que Lula mentiu ao afirmar que foi inocentado na Lava Jato, além de ter sido investigada por um suposto favorecimento a Jair Bolsonaro durante a cobertura eleitoral.
Mesmo após o fim do período eleitoral, o TSE continuou as medidas de censura continuaram. Em novembro de 2022, o ex-secretário da Receita Marcos Cintra, que concorreu ao cargo de vice-presidência daquele ano, teve sua conta no Twitter (atual X) suspensa. O motivo foi uma publicação que questionava o fato de centenas de urnas terem registrado zero votos para Bolsonaro. “Há outras centenas, senão milhares de urnas com votações igualmente improváveis [...] Se há suspeita em uma única urna, elas recaem sobre todo o sistema”, escreveu Cintra.
Emenda apresentada tenta corrigir excessos do Judiciário
A resolução aprovada pelo TSE em 2022 contraria também o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que busca assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura. O dispositivo estabelece que os provedores de internet só podem ser responsabilizados após ordem judicial para a remoção de um conteúdo específico. A legislação aponta como alvo as publicações isoladas – e não de perfis ou canais inteiros, o que foi adotado pelo TSE – para evitar, entre outros efeitos, a censura prévia.
“Nos últimos anos, foram criados diversos ‘tipos penais informais’ ou ‘retóricos’, nos últimos anos, no Brasil. ‘Discursos de ódio’, ‘ameaças à democracia’, ‘desinformação’. Isso e coisas ainda mais vagas, como ‘criar animosidade na sociedade’, e variações. Essas expressões vagas são usadas para praticar a censura e se aplicar punições, por parte do Estado”, reforça Schüler.
Para Gimenes, a reação do Senado Federal é legítima e busca corrigir excessos do Judiciário. “O impacto da norma é simbólico: o parlamento está se manifestando legitimamente, excluindo a hipótese criminosa, restando ao STF tão somente declarar a norma inconstitucional, o que, a princípio não teria motivos para ser considerada inconstitucional”, conclui.
Se aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, a proposta segue para votação no plenário do Senado.
Fonte: Por Marlice Pinto Vilela
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