Editorial - A imprensa sob ataque por cumprir seu dever

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Editorial - A imprensa sob ataque por cumprir seu dever


Condenação ao Zero Hora por matéria sobre salário de magistrados cita risco às “instituições fundantes da democracia”, e menciona polêmica decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender a plataforma Rumble (Foto: Antonio Augusto/STF)


Porto Velho, RO
- A censura vem se alastrando silenciosamente no Brasil, impulsionada por interpretações distorcidas do Judiciário que, cada vez mais, tentam criminalizar críticas e opiniões dirigidas aos poderes e às instituições – especialmente quando essas críticas têm como alvo o próprio Poder Judiciário. Nesse ambiente de intolerância à divergência, não surpreende que a imprensa esteja entre os alvos preferenciais, justamente por exercer seu papel mais essencial: informar. É o que está acontecendo com o jornal Zero Hora.

Na semana passada, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou a colunista de política Rosane Oliveira e o jornal Zero Hora, do Grupo RBS, ao pagamento de R$ 600 mil por danos morais à desembargadora Iris Medeiros Nogueira, ex-presidente do TJ-RS. A condenação não decorre da publicação de uma informação falsa ou de erro jornalístico, mas sim do incômodo causado por uma reportagem que expôs a realidade da remuneração de magistrados – realidade esta que gerou reações críticas entre os leitores.

Mas como pode a simples divulgação de salários públicos representar uma ameaça à democracia? Em verdade, é justamente o oposto: a transparência é um dos pilares do Estado Democrático de Direito

Em 2023, o jornal publicou um ranking com os maiores salários pagos a magistrados no estado. A desembargadora, então presidente do tribunal, apareceu no topo da lista, com um contracheque de R$ 662.389,16 referente ao mês de abril daquele ano. Em um país com níveis alarmantes de desigualdade e dificuldades orçamentárias, é natural e legítimo que a população questione pagamentos dessa magnitude feitos com recursos públicos.

Importante frisar: as informações publicadas eram públicas. Desde 2015, o Conselho Nacional de Justiça obriga os tribunais a divulgar os vencimentos de seus integrantes. Qualquer cidadão poderia obtê-las. O que fez o Zero Hora foi tornar esse conteúdo acessível, compreensível e visível ao grande público – missão essencial do jornalismo. A decisão do TJ-RS que condena o jornal não discute a veracidade dos dados, mas sim a maneira como foram apresentados. Segundo a sentença, o jornal teria usado uma “linguagem sarcástica” e “criado uma narrativa” que induziria o leitor à “desinformação” por não detalhar os componentes do contracheque da magistrada. A decisão chega ao ponto de afirmar que esse tipo de reportagem representa risco às “instituições fundantes da democracia”, citando, de forma insólita, a polêmica decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender a plataforma Rumble no Brasil.

Mas como pode a simples divulgação de salários públicos representar uma ameaça à democracia? Em verdade, é justamente o oposto: a transparência é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Quando o poder público busca intimidar veículos de imprensa que divulgam informações legítimas e relevantes, é a própria democracia que se vê ameaçada.

A Gazeta do Povo conhece esse terreno. Em 2016, este jornal foi alvo de dezenas de ações judiciais movidas por magistrados e promotores do Paraná após a publicação de uma série de reportagens que mostravam remunerações acima do teto constitucional. Esses processos foram arquivados apenas em 2023, por decisão do Supremo Tribunal Federal. À época, a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, reafirmou que a divulgação nominal e detalhada de salários de servidores públicos não fere o direito à intimidade, pois trata-se de dados de interesse coletivo.

O que ocorreu com o Zero Hora segue o mesmo padrão: trata-se de tentativa de cercear o trabalho jornalístico com base em argumentos frágeis e interpretações autoritárias sobre os limites da liberdade de imprensa. Punir um jornal por tornar acessível uma informação pública e verídica é abrir um perigoso precedente. É legitimar uma cultura de intimidação contra a imprensa e enfraquecer os mecanismos de controle social sobre o poder. O Judiciário, que deveria ser guardião das liberdades, arrisca-se a ser seu algoz – e a imprensa livre, mais um incômodo réu.

Fonte: Por Gazeta do Povo

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