
Na quinta-feira (23), equipe econômica do governo Lula anunciou aumento no IOF de transações de câmbio para ampliar arrecadação (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Porto Velho, RO - Com o aumento no IOF, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anulou a política da gestão de Jair Bolsonaro que buscava reduzir a alíquota progressivamente até zerá-la em 2028. O fim do imposto sobre o câmbio era um dos passos para adesão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como "clube dos países ricos", e sua reversão tende a dificultar o ingresso do Brasil no grupo.
O pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da FGV Leonardo Paz afirma que a OCDE busca organizar boas práticas do ponto de vista da política pública. Ao integrar a organização, os países se comprometem a buscar os mesmos padrões do grupo.
Nesse sentido, o advogado e economista Marcelo Guaranys, ex-secretário-executivo do Ministério da Economia, diz que a entrada na OCDE era uma prioridade tanto para o governo Temer quanto para a administração Bolsonaro.
Ambas as gestões viam na organização uma forma de “traçar os caminhos das reformas econômicas que se entendiam necessárias” para o Brasil. Na visão do jurista, ao revogar a redução do IOF, o governo Lula demonstra não dar a mesma importância à organização.
A OCDE não recomenda a aplicação de tarifas sobre operações cambiais por funcionarem como uma barreira tributária para a troca de moedas entre países.
Com as mudanças no IOF, a alíquota para operações de câmbio, que estava em 3,38% e nos próximos anos cairia a zero, subiru para 3,5%.
Hélder Santos, especialista em Gestão Tributária na Fipecafi, relembra que, em janeiro de 2025, quando o dólar ultrapassou a marca de R$ 6, houve rumores de possíveis aumentos do IOF para conter a valorização da moeda.
No entanto, após a primeira reunião de 2025 com o presidente Lula, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o dólar estava em processo de “acomodação natural” e descartou a possibilidade de aumentar o IOF para conter a alta da moeda americana.
Contudo, revendo o posicionamento assumido, o governo aumentou as alíquotas do IOF para operações de câmbio, crédito e seguros, visando arrecadar R$ 20 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026 — montantes necessários para atingir o equilíbrio das contas públicas e cumprir as regras do arcabouço fiscal.
“Preocupa a rápida mudança de posicionamento do governo e a prioridade de cumprir o arcabouço fiscal por meio de arrecadação, ao invés de austeridade nos gastos", afirma Santos.
Mesmo assim, segundo Kelly Massaro, presidente-executiva da Associação Brasileira de Câmbio (Abracam), o Brasil é um dos países que mais cumprem os padrões da OCDE, entre os que não são membros plenos da organização. “A questão do Brasil parar de convergir na questão do IOF é mais pontual", afirma.
Regras para integrar o “clube dos ricos”
O apelido de “clube dos ricos” não é à toa. A OCDE reúne, entre seus 38 membros, algumas das principais economias mundiais, como EUA, Japão, Coreia do Sul, França, Alemanha e Reino Unido. No entanto, nações como Colômbia, Costa Rica, Grécia e Lituânia também são membros oficiais. Atualmente, segundo o site da organização, Argentina, Brasil, Bulgária, Croácia, Indonésia, Peru, Romênia e Tailândia são candidatos à adesão.
Para integrar a organização, os países precisam seguir um roteiro de adesão que estabelece os termos, condições e revisões técnicas a serem realizadas pelos comitês da OCDE em uma ampla gama de áreas políticas. O processo visa avaliar a disposição e a capacidade do país candidato de implementar instrumentos legais e políticas compatíveis com as melhores práticas defendidas pela instituição nas áreas correspondentes.
Na visão de Leonardo Paz, da FGV, as vantagens colaterais de integrar a organização incluem gerar mecanismos de estímulo para criar e compartilhar dados sobre o país e métricas de comparação internacional.
“Quer dizer, como supostamente é uma instituição relacionada à democracia, aos capitalistas, liberais, às economias bem estruturadas, relativamente estáveis, assume-se que essas boas práticas vão nessa linha", afirma Paz.
Governos Temer e Bolsonaro buscaram se aproximar da OCDE
Marcelo Guaranys, que participou da coordenação do processo de entrada do Brasil na OCDE durante os governos Temer e Bolsonaro, disse que o Brasil tem uma relação muito próxima com a organização desde os anos 1990, e que ela foi se aprofundando com o passar do tempo.
“O Brasil era o país não membro que fazia parte do maior número de comitês e tinha assinado o maior número de instrumentos", conta. Mesmo com a aproximação, ele explica que não havia a intenção política dos primeiros governos de Lula e Dilma Rousseff de fazer parte da organização, mas de se “aproximar cada vez mais”.
O cenário muda com a entrada do governo Temer, que já sinaliza a necessidade de integrar a OCDE como forma de viabilizar as reformas econômicas consideradas necessárias à época: trabalhista, previdenciária, fiscal e o teto de gastos. “São várias linhas para poder aumentar a competitividade e produtividade do Brasil", afirma Guaranys.
O Brasil formalizou o pedido de adesão à organização em 2017, mas a resposta veio somente na gestão Bolsonaro. Em 2022, o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, enviou uma carta confirmando o convite à adesão. Naquele momento, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o Brasil cumpria 103 dos 251 requisitos para integrar a organização.
Para a política econômica de Bolsonaro e Guedes, a entrada na OCDE era prioridade. Guaranys afirma que o Executivo via a necessidade de fazer reformas e, portanto, de seguir o caminho de boas práticas sinalizado pela organização.
“É a opção de seguir o caminho das melhores práticas que o mundo ocidental capitalista democrático já fez. Então, essa é a lógica de entrar na OCDE. Por isso era tão importante para o presidente Bolsonaro e para o Paulo Guedes", diz.
IOF é incompatível com regra de entrada na OCDE
O advogado e economista ainda explica que, para a entrada na OCDE, importa muito o caminho, mais até do que a própria adesão. “O caminho para você fazer as reformas do seu país, baseado nas melhores práticas que os outros países já fizeram, é muito importante”. Um ponto fundamental nesse processo são os códigos de liberalização.
Eles são dois: o código de liberalização de movimento de capital e o de liberalização de operações correntes intangíveis. Guaranys conta que, já em 2017, o Brasil pediu para antecipar tudo o que fosse importante para se tornar membro da OCDE, inclusive a adequação a esses códigos.
Kelly Massaro, da Abracam, explica que o Fundo Monetário Internacional (FMI) considera que, se a diferença da taxa de câmbio para algum tipo de operação for superior a dois pontos percentuais, isso pode caracterizar câmbio múltiplo. O Brasil, por outro lado, declarava ter câmbio flutuante único.
Dessa forma, ao negociar a adesão aos códigos da OCDE, o Brasil assumiu o compromisso de convergir para essa regra do FMI e da própria organização, fazendo com que o IOF fosse, no máximo, de até um ponto percentual.
Em 2022, a alíquota do IOF para transações cambiais era de 6,38%. O Decreto 11.153, daquele ano, estabeleceu a redução gradual do IOF câmbio, fazendo-o cair para 5,38% em 2023, 4,38% em 2024, 3,38% em 2025 e assim por diante, até chegar a zero em 2028.
Não há punição na OCDE por quebra de cronograma do IOF
Massaro explica que não há previsão, na OCDE, de punir países que, como o Brasil, violem o cronograma de redução de alíquotas como o IOF. Mas o país terá que apresentar explicações para o ocorrido.
Será necessário, por exemplo, justificar por que adotou a medida e optou por esse patamar de alíquota em vez de sua redução. Além disso, o país precisará apresentar justificativas fiscais, argumentos sobre a arrecadação, explicações sobre outras medidas mais eficientes, além de estabelecer um novo prazo para que o IOF alcance o limite de um ponto percentual.
A tarefa pode não ser simples. Hélder Santos, da Fipecafi, afirma que, enquanto alterações no IOF para conter a deterioração da moeda frente ao dólar eram desconsideradas, tal medida tornou-se uma oportunidade para compensar estratégias frustradas de arrecadação — como o voto de qualidade no Comitê Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Além disso, o especialista cita o conjunto de medidas do Congresso para compensar a desoneração da folha salarial de 17 setores — que, assim como o Carf, acabou sendo retirado da previsão de arrecadação e também não atingiu o efeito esperado. E o pacote fiscal apresentado pelo governo em novembro de 2024 deve arrecadar R$ 81,5 bilhões a menos que o estimado neste ano.
“A verdade é que o governo não recriou a CPMF, mas mexeu onde é mais simples: no IOF”, disse.
País pode "ficar para escanteio”
De acordo com Leonardo Paz, da FGV, ainda que não haja punições, o Brasil pode passar a ser visto como um naming and shaming, termo que indica a explicitação de que um agente ou instituição não agiu conforme as regras e que o leva a ficar "meio mal no grupo".
“Todo mundo está vendo que você está ali e você fica sabendo quem performa pior nas estatísticas. Então tem um perfil um pouco reputacional”, afirma. Paz relembra que nenhuma nação integrante da OCDE consegue cumprir 100% das regras do grupo, cada qual tendo suas idiossincrasias.
A atual política tarifária de Donald Trump é um exemplo. “O mecanismo que o Trump usou para poder organizar e negociar essas tarifas, isso certamente não está nada de acordo com nenhuma recomendação da OCDE, mas ele está fazendo e ninguém está questionando se os Estados Unidos vão sair da organização ou se ela vai punir os EUA por causa disso", afirma Paz.
OCDE é importante fórum de discussão diante de guerra comercial
Marcelo Guaranys afirma que, nesse momento de guerras comerciais, a organização se torna ainda mais importante como fórum de discussões. Ele explica que os diversos comitês da OCDE são propícios para responder questões como o que esse novo mundo pode gerar e o como essa ação dos Estados Unidos pode afetar o comércio internacional.
“É importante que haja fóruns internacionais em que esses tipos de questões sejam discutidas. Para que, no final desse processo, as boas práticas continuem gerando desenvolvimento econômico e aumento do comércio exterior entre os países", afirma.
No entanto, mesmo que não haja punições formais da OCDE pela quebra do cronograma do IOF no Brasil e que o país siga um não membro com grande atuação na organização, Guaranys também vê disse que a medida não foi um bom sinalizador.
“Qualquer quebra de compromisso gera quebra de confiança. E isso é ruim para o país, porque mudanças de governo e políticas que se alteram com a troca de comando acabam gerando uma alteração da credibilidade do país”, conclui.
Fonte: Por Roberta Ribeiro
Governos Temer e Bolsonaro buscaram se aproximar da OCDE
Marcelo Guaranys, que participou da coordenação do processo de entrada do Brasil na OCDE durante os governos Temer e Bolsonaro, disse que o Brasil tem uma relação muito próxima com a organização desde os anos 1990, e que ela foi se aprofundando com o passar do tempo.
“O Brasil era o país não membro que fazia parte do maior número de comitês e tinha assinado o maior número de instrumentos", conta. Mesmo com a aproximação, ele explica que não havia a intenção política dos primeiros governos de Lula e Dilma Rousseff de fazer parte da organização, mas de se “aproximar cada vez mais”.
O cenário muda com a entrada do governo Temer, que já sinaliza a necessidade de integrar a OCDE como forma de viabilizar as reformas econômicas consideradas necessárias à época: trabalhista, previdenciária, fiscal e o teto de gastos. “São várias linhas para poder aumentar a competitividade e produtividade do Brasil", afirma Guaranys.
O Brasil formalizou o pedido de adesão à organização em 2017, mas a resposta veio somente na gestão Bolsonaro. Em 2022, o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, enviou uma carta confirmando o convite à adesão. Naquele momento, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o Brasil cumpria 103 dos 251 requisitos para integrar a organização.
Para a política econômica de Bolsonaro e Guedes, a entrada na OCDE era prioridade. Guaranys afirma que o Executivo via a necessidade de fazer reformas e, portanto, de seguir o caminho de boas práticas sinalizado pela organização.
“É a opção de seguir o caminho das melhores práticas que o mundo ocidental capitalista democrático já fez. Então, essa é a lógica de entrar na OCDE. Por isso era tão importante para o presidente Bolsonaro e para o Paulo Guedes", diz.
IOF é incompatível com regra de entrada na OCDE
O advogado e economista ainda explica que, para a entrada na OCDE, importa muito o caminho, mais até do que a própria adesão. “O caminho para você fazer as reformas do seu país, baseado nas melhores práticas que os outros países já fizeram, é muito importante”. Um ponto fundamental nesse processo são os códigos de liberalização.
Eles são dois: o código de liberalização de movimento de capital e o de liberalização de operações correntes intangíveis. Guaranys conta que, já em 2017, o Brasil pediu para antecipar tudo o que fosse importante para se tornar membro da OCDE, inclusive a adequação a esses códigos.
Kelly Massaro, da Abracam, explica que o Fundo Monetário Internacional (FMI) considera que, se a diferença da taxa de câmbio para algum tipo de operação for superior a dois pontos percentuais, isso pode caracterizar câmbio múltiplo. O Brasil, por outro lado, declarava ter câmbio flutuante único.
Dessa forma, ao negociar a adesão aos códigos da OCDE, o Brasil assumiu o compromisso de convergir para essa regra do FMI e da própria organização, fazendo com que o IOF fosse, no máximo, de até um ponto percentual.
Em 2022, a alíquota do IOF para transações cambiais era de 6,38%. O Decreto 11.153, daquele ano, estabeleceu a redução gradual do IOF câmbio, fazendo-o cair para 5,38% em 2023, 4,38% em 2024, 3,38% em 2025 e assim por diante, até chegar a zero em 2028.
Não há punição na OCDE por quebra de cronograma do IOF
Massaro explica que não há previsão, na OCDE, de punir países que, como o Brasil, violem o cronograma de redução de alíquotas como o IOF. Mas o país terá que apresentar explicações para o ocorrido.
Será necessário, por exemplo, justificar por que adotou a medida e optou por esse patamar de alíquota em vez de sua redução. Além disso, o país precisará apresentar justificativas fiscais, argumentos sobre a arrecadação, explicações sobre outras medidas mais eficientes, além de estabelecer um novo prazo para que o IOF alcance o limite de um ponto percentual.
A tarefa pode não ser simples. Hélder Santos, da Fipecafi, afirma que, enquanto alterações no IOF para conter a deterioração da moeda frente ao dólar eram desconsideradas, tal medida tornou-se uma oportunidade para compensar estratégias frustradas de arrecadação — como o voto de qualidade no Comitê Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Além disso, o especialista cita o conjunto de medidas do Congresso para compensar a desoneração da folha salarial de 17 setores — que, assim como o Carf, acabou sendo retirado da previsão de arrecadação e também não atingiu o efeito esperado. E o pacote fiscal apresentado pelo governo em novembro de 2024 deve arrecadar R$ 81,5 bilhões a menos que o estimado neste ano.
“A verdade é que o governo não recriou a CPMF, mas mexeu onde é mais simples: no IOF”, disse.
País pode "ficar para escanteio”
De acordo com Leonardo Paz, da FGV, ainda que não haja punições, o Brasil pode passar a ser visto como um naming and shaming, termo que indica a explicitação de que um agente ou instituição não agiu conforme as regras e que o leva a ficar "meio mal no grupo".
“Todo mundo está vendo que você está ali e você fica sabendo quem performa pior nas estatísticas. Então tem um perfil um pouco reputacional”, afirma. Paz relembra que nenhuma nação integrante da OCDE consegue cumprir 100% das regras do grupo, cada qual tendo suas idiossincrasias.
A atual política tarifária de Donald Trump é um exemplo. “O mecanismo que o Trump usou para poder organizar e negociar essas tarifas, isso certamente não está nada de acordo com nenhuma recomendação da OCDE, mas ele está fazendo e ninguém está questionando se os Estados Unidos vão sair da organização ou se ela vai punir os EUA por causa disso", afirma Paz.
OCDE é importante fórum de discussão diante de guerra comercial
Marcelo Guaranys afirma que, nesse momento de guerras comerciais, a organização se torna ainda mais importante como fórum de discussões. Ele explica que os diversos comitês da OCDE são propícios para responder questões como o que esse novo mundo pode gerar e o como essa ação dos Estados Unidos pode afetar o comércio internacional.
“É importante que haja fóruns internacionais em que esses tipos de questões sejam discutidas. Para que, no final desse processo, as boas práticas continuem gerando desenvolvimento econômico e aumento do comércio exterior entre os países", afirma.
No entanto, mesmo que não haja punições formais da OCDE pela quebra do cronograma do IOF no Brasil e que o país siga um não membro com grande atuação na organização, Guaranys também vê disse que a medida não foi um bom sinalizador.
“Qualquer quebra de compromisso gera quebra de confiança. E isso é ruim para o país, porque mudanças de governo e políticas que se alteram com a troca de comando acabam gerando uma alteração da credibilidade do país”, conclui.
Fonte: Por Roberta Ribeiro
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