
O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, na declaração na qual anunciou “vitória” sobre Israel e os americanos. (Foto: ABEDIN TAHERKENAREH/EFE/EPA)
Porto Velho, RO - A guerra, ao contrário do que romantizam os tratados, raramente tem um fim. Ela muda de forma, de campo de batalha, de intensidade, mas continua ainda que de forma fria. Nesta semana, vimos Irã e Israel selarem um acordo de cessar-fogo que deu uma pausa no ciclo de hostilidades que muitos temiam evoluir para um conflito de grandes proporções. No centro das decisões que inverteram a lógica destrutiva do embate está um homem que, para muitos de seus críticos, é sinônimo de guerra, mas que, na prática, agiu para evitá-la: Donald Trump.
A ordem de Trump para bombardear as instalações nucleares iranianas foi interpretada por uns como uma escalada irresponsável.
Mas, para quem observa com atenção os movimentos estratégicos por trás das decisões, ela foi uma ação cirúrgica. Um ataque de força, sim, mas motivado por um impulso paradoxal: evitar uma guerra total que arrastaria os Estados Unidos para mais um conflito sangrento no Oriente Médio.
Trump conhecia bem o adversário. Durante seu primeiro mandato, ele desmantelou o acordo nuclear com o Irã e impôs um regime de sanções sem precedentes. Não por capricho ideológico, mas porque compreendia que o Irã revolucionário não negocia para fazer concessões. Negocia para ganhar tempo. E foi justamente o tempo, e mais do que urânio, que os aiatolás acumularam nas sombras desde o acordo assinado por Barack Obama, em 2015.
Enquanto as atenções do público se concentram no Oriente Médio, o Irã já fincou suas bandeiras em terras latino-americanas
Ao ordenar o bombardeio, Trump impôs um novo tipo de lógica. Demonstrou que, embora se recuse a envolver os EUA em aventuras militares prolongadas, não hesitará em usar a força para impedir que o pior aconteça. No cálculo de Trump, permitir que o Irã se tornasse uma potência nuclear significaria abrir as portas do inferno: proliferação no Golfo, chantagem contra aliados, ataques diretos a Israel, e um impulso renovado aos braços assimétricos de Teerã espalhados pelo mundo.
O cessar-fogo que se seguiu não é, portanto, uma vitória. É uma pausa. Uma suspensão armada. Para o Irã, que sempre foi mestre na arte da guerra indireta. O país dos aiatolás sabe que não pode vencer uma guerra convencional contra os Estados Unidos ou Israel. Mas pode desgastá-los. E é justamente aí que o jogo muda de hemisfério.
Enquanto as atenções do público se concentram no Oriente Médio, o Irã já fincou suas bandeiras em terras latino-americanas. Em um relatório recente, o Center for a Secure Free Society (SFS) expõe o aprofundamento da presença iraniana na América Latina. Através de sua principal ferramenta de projeção externa, o Hezbollah, Teerã construiu uma teia de alianças com regimes autoritários, redes criminosas e grupos ideológicos radicais ao longo das últimas quatro décadas.
O eixo formado por Venezuela, Nicarágua, Bolívia e Cuba funciona como uma plataforma estratégica para a ação iraniana no continente. Na Venezuela, o Hezbollah atua com liberdade logística e proteção institucional. Usa a fachada de centros culturais e instituições islâmicas para doutrinação e recrutamento. No submundo, participa de esquemas de lavagem de dinheiro, tráfico de ouro e contrabando de armamentos. A convergência entre terrorismo e crime organizado, já identificada em anos anteriores, atingiu um novo patamar de sofisticação.
O Brasil também está no mapa das assimetrias do Irã. O país é berço de células adormecidas com histórico de atividades já letalmente conhecidos. O atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994, contou com a participação de membros do Hezbollah e prepostos do Irã estacionados no Brasil. No Chile, recentemente, alertas de inteligência detectaram tentativas de infiltração em comunidades árabes. No México, as rotas do narcotráfico já servem como canais de entrada para armamentos e recursos. Na Argentina, onde o Hezbollah já esteve envolvido diretamente em dois atentados, as autoridades registram diversos casos de iranianos tentando entrar no país portando documentos falsos.
Essa infraestrutura é vital para a estratégia assimétrica do Irã. Em vez de confrontar diretamente com potências rivais militarmente mais poderosas, prefere usar de seus proxies para atos de terrorismo, gerar instabilidade ou até mesmo conflitos por procuração. Um atentado contra uma sinagoga em Buenos Aires, uma explosão contra diplomatas em Bogotá, um sequestro em Manaus; qualquer um desses atos pode ser interpretado como parte de um padrão. Um padrão de guerra sem frente, sem uniforme, sem fim.
Trump sabia disso. Foi por isso que tratou o Hezbollah como uma ameaça de segurança nacional e pressionou para que mais países o classificassem como organização terrorista. Foi também por isso que reforçou a aliança com governos latino-americanos dispostos a resistir à infiltração iraniana. Não se tratava apenas de diplomacia regional era contenção geoestratégica.
O mundo pós-21 de junho data dos bombardeios às instalações iranianas ficou mais seguro, mas não menos revolto. Sabemos, com dolorosa evidência, que o Irã não desistirá de seu projeto revolucionário. Sabemos que o mesmo Hezbollah, que agoniza decapitado no Líbano, segue intocável em seus redutos no exterior.
Há tempos, o Oriente Médio se mostrou ser um cemitério de promessas diplomáticas onde a paz é apenas um soluço no constante estado de guerra. No caso do Irã, a guerra nunca cessou. Ela mudará de continente e forma.
Fonte: Por Leonardo Coutinho
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