
Porto Velho, RO - A Cúpula dos BRICS 2025, que será realizada nos dias 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro, ocorre num momento em que o mundo atravessa um de seus períodos mais incertos desde o fim da Guerra Fria. O encontro, que deveria simbolizar a consolidação do BRICS ampliado como força geopolítica alternativa à ordem liberal liderada pelo Ocidente, infelizmente já nasce esvaziado.
A ausência dos dois principais líderes do bloco – Xi Jinping, da China, e Vladimir Putin, da Rússia – não é apenas uma questão protocolar: ela compromete a força simbólica e a capacidade decisória do encontro. Xi alegou problemas de agenda. Putin, por sua vez, enfrenta um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional, e sua presença em solo brasileiro colocaria o país diante de um dilema diplomático e jurídico. Ambos os líderes enviarão representantes - Li Qiang, no caso chinês, e o chanceler Lavrov, pela Rússia - mas a ausência física em um fórum presidencial enfraquece o evento por definição.
Em um mundo em transformação, o BRICS precisa decidir se será apenas um fórum de retórica ou se caminhará rumo à construção de uma nova arquitetura de poder global
Para além dessas ausências, a retirada do presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, e a incerteza quanto ao nível de representação de países como Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos confirmam a dificuldade do BRICS em se firmar como um polo coeso de liderança global. O momento exige articulação de alto nível – mas o que se vê é dispersão.
A presidência brasileira do bloco elencou seis prioridades estratégicas para a cúpula: cooperação em saúde global; comércio, investimentos e finanças; mudança do clima; governança da inteligência artificial; arquitetura de paz e segurança; e desenvolvimento institucional. No entanto, os grandes temas que dominam a geopolítica global - a guerra na Ucrânia, os ataques ao Irã, o conflito na Faixa de Gaza - desafiam a capacidade do bloco de falar com uma só voz.
Mesmo a proposta de reforma do Conselho de Segurança da ONU, historicamente defendida por Brasil e Índia, encontra resistência dentro do grupo - especialmente por parte de China e Rússia, que detém poder de veto e pouco interesse em dividir protagonismo. Outro tema sensível, a desdolarização do comércio internacional, opõe novamente Rússia e China – que sofrem sanções e pressionam por alternativas - aos países com relações mais próximas dos Estados Unidos, como Brasil, Índia e África do Sul.
O resultado é que a declaração final da cúpula deverá ser marcada por linguagem moderada, ambígua e pouco incisiva. Condenações explícitas a Estados Unidos ou Israel estão descartadas, e mesmo menções ao “genocídio” palestino - termo usado publicamente pelo presidente Lula - devem ser evitadas, por falta de consenso interno. O BRICS não é uma aliança de segurança e tampouco age com unidade em questões centrais da agenda internacional.
Ainda assim, a cúpula não é irrelevante. O evento reafirma a existência de uma agenda crítica à ordem internacional vigente, e serve como palco simbólico para a projeção de um novo Sul Global. O Brasil, ao sediá-lo, mantém viva sua tradição de diplomacia ativa e altiva. Mas o contraste entre o que o BRICS poderia ser – e o que de fato é – revela os limites de uma coalizão marcada por contradições internas, ausência de institucionalidade robusta e interesses geopolíticos divergentes.
Em um mundo em transformação, o BRICS precisa decidir se será apenas um fórum de retórica ou se caminhará rumo à construção de uma nova arquitetura de poder global. O Rio de Janeiro pode ser o início dessa conversa – mas dificilmente será seu ponto de inflexão.
Fonte: * João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais.
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