
Porto Velho, RO - A crise diplomática com os Estados Unidos reacendeu no Congresso a discussão sobre a proposta de anistia para investigados e condenados pelos atos de 8 de janeiro. A carta enviada por Donald Trump ao Brasil — na qual ele classifica o julgamento do suposto golpe de Estado como uma "caça às bruxas" — foi interpretada por parlamentares da oposição como um novo elemento, capaz de fortalecer o movimento por anistia ao evidenciar a perseguição política sofrida por integrantes da direita.
Os opositores tentam se levantar contra uma narrativa forte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para tentar enterrar de vez a anistia a partir do ruído gerado pela ameaça de Washington taxar em 50% as exportações brasileiras a partir de agosto. O entendimento do governo é que aprovar a anistia seria ceder a Trump e assim demonstrar fraqueza.
Por ora, com 62% da população contrária às tarifas americanas, segundo pesquisa da AtlasIntel, os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) estão apoiando o governo. Eles se reuniram com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) nesta quarta-feira (16) e reiteraram apoio ao governo.
Mas parlamentares da oposição acreditam que a carta de Trump comprova o reconhecimento internacional de uma ofensiva direcionada a políticos e cidadãos de direita, o que justificaria um "ato de reparação" por parte do Congresso Nacional. O objetivo é claro: usar o simbolismo do apoio estrangeiro para forçar o avanço da proposta de anistia a investigados e condenados pelos atos de 8 de janeiro — incluindo Bolsonaro.
A carta foi recebida como “autorização moral” para que o Congresso entre em campo, com base no argumento de que a democracia brasileira está punindo adversários políticos ao invés de julgá-los com isenção.
A meta da oposição é destravar a pauta e colocar em votação até o final do ano um texto que possa anistiar Bolsonaro e os demais envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Políticos como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmam que a tarifa de Trump tem motivação política e, por isso, precisa de uma solução política, como a anistia, e não puramente econômica ou técnica como quer o governo.
Nesta semana seria discutida uma proposta alternativa à anistia que vinha sendo elaborada pelos presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, mas não avançou por receio de se tornar uma “rendição” aos Estados Unidos. A ideia do centro era trocar a anistia completa dos acusados por uma redução das penas dadas aos manifestantes de 8 de janeiro
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou à Gazeta do Povo que a simples redução de penas não representa o que a oposição defende.
Assim, é falsa a narrativa do governo e do centro de que a atitude de Trump de ameaçar taxar o Brasil acabou com um acordo sobre anistia que já estava pronto para ser aprovado. A oposição não chegou nem a ter acesso aos termos da proposta de redução de penas.
“Nunca foi o que pedimos. Queremos o que a Constituição preconiza: a anistia das pessoas que foram injustiçadas pelo STF. Essa decisão ficará para agosto”, disse Sóstenes. Ele se referiu ao fato de que o assunto também não foi discutido na reunião de líderes desta semana e por isso não deve avançar antes do recesso parlamentar que inicia no dia 18 de julho.
“A crise do Donald Trump pode ajudar, pode fortalecer ou pode enfraquecer. Estamos num momento em que a fumaça subiu. A decisão inesperada sobre taxação nos pegou de surpresa. Precisamos deixar a poeira baixar para avaliar se teremos reforço político ou não", disse Sóstenes.
Diversos projetos tratam de anistia, mas o foco da oposição é a situação de Bolsonaro
Há diversas propostas em debate para viabilizar a anistia. Elas são projetos de lei e PECs (Propostas de Emenda à Constituição) que preveem a anistia para crimes relacionados às manifestações que culminaram na invasão das sedes dos Três Poderes. Em boa parte dos textos, a redação é ampla e poderia atingir desde manifestantes até organizadores e financiadores.
O foco da oposição, no entanto, está na situação de Jair Bolsonaro. Alvo de investigações por incitação ao golpe, disseminação de notícias falsas e suposta tentativa de subversão institucional, o ex-presidente corre o risco de enfrentar condenações que podem não só mantê-lo inelegível, mas também levá-lo à prisão. A anistia seria, portanto, uma saída legislativa para neutralizar decisões do Judiciário.
Além de Bolsonaro, militares, influenciadores e deputados investigados por envolvimento em atos antidemocráticos também seriam potencialmente beneficiados. A proposta, porém, gera desconforto entre integrantes do centro, que veem o tema como politicamente arriscado demais e por isso não querem que ele avance.
Do lado do governo Lula, a reação tem sido de cautela com a oposição. Embora se oponha publicamente à medida, o Planalto evita confronto direto para não inflamar ainda mais a base bolsonarista no Congresso. Nos bastidores, integrantes do governo acreditam que o desgaste da oposição ao abraçar a pauta da anistia pode jogar a favor do governo em 2026.
As linhas do embate: pacificação x impunidade
Os defensores da anistia sustentam que o país precisa superar a polarização e que a anistia poderia ser um gesto de pacificação nacional — como ocorreu na transição da ditadura para a democracia, em 1979. Também alegam que manter líderes políticos populares como Bolsonaro fora do jogo eleitoral pode agravar a crise de representatividade.
O deputado Osmar Terra (PL-RS) defende que a anistia é necessária para neutralizar o que considera um ambiente de instabilidade institucional. Para ele, a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) compromete a confiança pública nos julgamentos.
“O presidente do Supremo disse que o tribunal deixou de ser técnico para ser político. E antes disso afirmou: ‘nós derrotamos o bolsonarismo’. Como confiar num julgamento desses?”, questiona.
“O Supremo não tem voto. Quem faz política são os eleitos. O STF tem que cuidar da Constituição — essa já é uma função enorme. Quando interfere em leis sobre drogas, terras indígenas e redes sociais, está ultrapassando seu papel.”
Terra afirma que, para haver diálogo com os Estados Unidos e restaurar o respeito democrático, o Brasil precisa corrigir esse desequilíbrio institucional.
“A anistia é o caminho. Ela zera o jogo e permite que cada Poder volte ao seu lugar. Com isso, inclusive, podemos negociar melhor com Trump. Sem estabilidade democrática, os Estados Unidos não vão nos respeitar”, reforçou.
Críticos da proposta, por sua vez, argumentam que perdoar supostos crimes contra a democracia fragiliza as instituições. Para eles, a anistia envia uma mensagem perigosa de que ações golpistas podem ser relevadas por conveniência política. O temor é que esse precedente alimente novos ataques ao Estado de Direito no futuro.
Mesmo que aprovada pelo Congresso, a anistia terá de enfrentar o crivo do STF. A Corte já firmou entendimento de que alegados crimes contra a ordem democrática, como tentativa de golpe de Estado e ataques a instituições, não são passíveis de anistia. Juristas alertam para o risco de ser declarada a inconstitucionalidade da proposta, o que pode travar sua aplicação antes mesmo de entrar em vigor.
Anistia ainda tem baixa chance de aprovação
Para o jurista André Marsiglia, a chance de avanço do projeto da anistia é mínima no atual cenário político. "Muito difícil que ocorra nesta legislatura. Seria ceder aos EUA e desagradar o STF. Tudo o que o Congresso não parece querer fazer", avalia.
Ainda assim, segundo Marsiglia, o tema deve ficar congelado até o fim do processo eleitoral. “Anistia, impeachment de ministro e reforma do Judiciário são temas que serão tratados, a meu ver, apenas após as eleições. Seja pela ideologia do Congresso, seja porque tradicionalmente o Congresso evita temas espinhosos às portas do período eleitoral, como já estamos.”
Na avaliação do jurista, qualquer proposta que exclua Bolsonaro da anistia será inócua. “A melhor anistia é a que pacifique o Brasil. Para isso, é necessário que Bolsonaro e as pessoas próximas a ele sejam incluídas. Não haverá paz enquanto o bolsonarismo for alvo de perseguição no país. Qualquer outro arranjo me parecerá um curativo superficial posto em uma ferida profunda”, conclui.
Fonte: Por Ana Carolina Curvello
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