
Porto Velho, RO - Nesse momento, 58 containers com milhares de toneladas de pescado permanecem parados nos portos brasileiros, aguardando que sejam deslocados até os EUA, destino de 80% das exportações desse setor. A paralisação se deve à suspensão das compras pelos importadores do país. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados, não há previsão para retorno das atividades comerciais. Ao mesmo tempo, na bolsa de valores, as ações da Embraer, que vende aviões para os norte-americanos, derretiam -8,41%. Reflexos diretos do tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil, em suposta represália aos processos movidos contra Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal. A medida de Trump consiste em um verdadeiro presente eleitoral para Lula, que agora tem um discurso completo a ser explorado para 2026.
Até a semana passada, o petista estava no corner, após a derrota acachapante do decreto do IOF no Congresso Nacional. A ação de Trump, entretanto, além de entronizar uma externalidade na equação política interna, a um só tempo revigora o velho discurso nacionalista adormecido no campo progressista de Lula, cria um “inimigo comum” e deixa para os bolsonaristas a difícil posição de justificar uma sanção política e comercial cujo impacto no setor produtivo ainda não pode ser estimado.
As falas de Eduardo Bolsonaro defendendo o desinvestimento em seu país natal, bem como imagens de lideranças próximas ao ex-presidente posando para fotos com o boné de Trump, serão cuidadosamente transformadas em peças de propaganda do governo Lula
De imediato, Lula encampou o discurso da soberania nacional contra Trump. E o explorou com qualidade plástica na longa entrevista que concedeu ao Jornal Nacional. “O Brasil utilizará a Lei da Reciprocidade quando necessário, e o Brasil vai tentar, junto com a OMC (Organização Mundial do Comércio), com outros países, tentar fazer com que a OMC tome uma posição para saber quem é que está certo ou que está errado”, disse. Também prometeu rodar o mundo para abrir mercados alternativos para os produtos brasileiros, caso as negociações com Trump fracassem.
Enquanto o petista falava em defender exportadores e preservar empregos no Brasil, Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos, dobrou a aposta no apoio às tarifas trumpistas. Depois de gravar um vídeo com tom chantagista, falando das condições para se evitar o “desastre”, tentou convencer empresários brasileiros a mover seus investimentos para os EUA como forma de evitar os prejuízos com as medidas. “Se você, empresário, quiser investir nos Estados Unidos... Em semanas, tá? Não vai ter preconceito, não. É só vir pra cá que, em semanas, a gente coloca seu processo adiante. E isso aí faz muito sentido”, disse. “É um convite tentador”, finalizou, sem esconder o sorriso.
As falas de Eduardo Bolsonaro defendendo o desinvestimento em seu país natal, bem como imagens de lideranças próximas ao ex-presidente posando para fotos com o boné de Trump, serão cuidadosamente transformadas em peças de propaganda do governo Lula, que poderá facilmente associá-las à ideia de submissão ideológica a outro país. Isso, em prejuízo ao que poderia se supor o interesse nacional.
Ainda que a motivação de fundo para Trump ter tarifado o Brasil tenha sido também a posição do país no contexto dos Brics, é o ex-presidente Jair Bolsonaro que aparece explicitamente já no primeiro parágrafo, em sua cartinha para Lula, como razão principal. É isso que já está pesando na politização do assunto, com o auxílio nada tímido dos próprios bolsonaristas, que, na contramão de todos os setores econômicos brasileiros, fazem exultação do tarifaço.
Segundo Eduardo Bolsonaro, Trump tomou a medida porque “entendeu que Moraes (Alexandre) só pode agir com respaldo de um establishment político, empresarial e institucional”. Vai ver, para ele, o prejuízo para o setor de pescado é um preço necessário a ser pago em nome do que entende ser a defesa da liberdade. Infelizmente, para quem é trabalhador no setor, não há pai que mande um Pix de dois milhões de reais caso perca o emprego. Nem todos têm a sorte do filho 03. Estes, obviamente, vão lembrar disso em 2026.
Fonte: Por Guilherme Macalossi
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