
Porto Velho, RO - Mais de um mês após o "tarifaço" de Donald Trump ser anunciado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) finalmente se movimenta para anunciar um pacote bilionário de medidas emergenciais. A resposta tardia chega quando empresas já cortaram centenas de postos de trabalho e transferem produção para o exterior.
A ofensiva comercial americana estabeleceu sobretaxa adicional de 40% sobre diversos produtos brasileiros. Somada à tarifa global de 10%, a taxação total chegou a 50%. A medida entrou em vigor no dia 6, atingindo 53% das exportações brasileiras para os Estados Unidos, segundo cálculos realizados pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil). Segmentos estratégicos como carne bovina, café, frutas, têxteis, autopeças, máquinas, celulose, papel, açúcar e minério de ferro foram duramente penalizados.
As medidas da primeira devem ser apresentadas a Lula em reunião nesta segunda (11), com presença do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O presidente também pediu à equipe preparação de medidas para segunda fase, caso o pacote emergencial seja insuficiente. Nos bastidores, há movimento para afastar rumores de divergências sobre as taxas de juros do crédito.
Os principais pontos do plano contra a tarifa de Trump ao Brasil
Crédito subsidiado com contrapartida de emprego
O principal pilar são linhas emergenciais de crédito com taxas padronizadas para todas as empresas. A expectativa é que sejam ligeiramente menores que as oferecidas no socorro às empresas afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Integrantes da equipe de Haddad falam em medidas pontuais para setores efetivamente atingidos pela sobretaxa de Trump.
As linhas estarão ligadas ao Fundo de Garantia de Operações, operado pelo Banco do Brasil, e ao Fundo de Garantia à Exportação, administrado pelo BNDES. Ambos poderão ser acessados por bancos públicos e privados, ampliando o alcance do socorro.
O acesso aos empréstimos mais baratos virá com condição clara: manutenção de empregos. O empresário que tomar crédito subsidiado não poderá demitir. Esta contrapartida reflete a preocupação central em proteger a força de trabalho diante dos prejuízos do tarifaço.
Para socorrer empregos, o governo avalia duas alternativas testadas anteriormente. O Programa de Proteção ao Emprego, criado em 2015, prevê redução de jornada e salário mediante acordo sindical, usando recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para compensar perdas salariais. A ideia é compartilhar custos da crise evitando demissões em massa. O modelo de Apoio Financeiro, lançado no Rio Grande do Sul, garantiu pagamento de duas parcelas de um salário-mínimo diretamente aos trabalhadores para evitar redução salarial nas empresas atingidas.
Há preocupação petista para que o crédito subsidiado foque empresas menores, não grandes exportadores. A alegação é que grandes empresas já têm acesso a financiamentos com taxas menores no mercado. O auxílio governamental deveria priorizar aqueles com menor poder de barganha e maior vulnerabilidade.
Adiamento de impostos e antecipação de créditos
Outra frente é a postergação no pagamento de tributos federais. O objetivo é proporcionar fôlego financeiro no momento inicial após entrada em vigor das tarifas. A proposta é adiamento de no máximo 90 dias, para concentrar impacto nas contas públicas neste ano.
Além da postergação, o pacote prevê antecipação de benefícios tributários, incluindo ressarcimento de crédito de PIS e Cofins. A medida visa acelerar retorno de valores para empresas, injetando liquidez para enfrentar período de menor faturamento ou aumento de custos devido ao tarifaço.
Compras públicas para absorver produção excedente
O governo planeja usar o poder de compra estatal para absorver parte da produção que não conseguirá mais ser exportada. A ideia é que o governo federal financie essas compras, direcionando-as para escolas. Serão utilizados programas existentes como Programa de Aquisição de Alimentos e Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Os setores prioritários seriam pescados e produtores de frutas, produtos perecíveis facilmente afetados pela interrupção das exportações. Em reunião com representantes do setor alimentício, o governo já pediu lista com mercadoria que deve "sobrar" e preço necessário para viabilizar a compra.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário avalia subsidiar venda desses produtos no mercado interno. O objetivo é evitar perdas para produtores e cobrir ao menos custos de produção dos setores atingidos, garantindo que mercadoria não se deteriore ou seja vendida a preços irrisórios. O Ministério da Agricultura estuda medida adicional: aumentar exigência de produtos naturais na fabricação de sucos, iogurtes e sorvetes industrializados, estimulando consumo interno de frutas e insumos agrícolas.
Outras possibilidades: flexibilização trabalhista e Fundo Social
Outras possibilidades incluem flexibilização de prazos de banco de horas e antecipação de férias coletivas. As ações visam dar às empresas mais flexibilidade na gestão da mão de obra, adaptando-se à possível queda na demanda sem recorrer a demissões.
Um aliado de Lula disse à Folha que há discussão sobre usar recursos do Fundo Social para socorrer produtores afetados. O fundo soberano pode direcionar recursos para finalidades de desenvolvimento social e econômico, sendo fonte adicional de apoio em momentos de crise.
Medidas podem reforçar riscos fiscais
Apesar de as medidas fiscais emergenciais sejam necessárias para mitigar efeitos imediatos do choque comercial, a proposta levanta alertas sobre distorções tributárias e insegurança jurídica, especialmente em meio à regulamentação da reforma tributária. A possibilidade de excluir gastos emergenciais da meta fiscal, com amparo na justificativa de "evento extraordinário", carrega implicações significativas para sustentabilidade das contas públicas e credibilidade da política econômica.
Especialistas apontam que o custo fiscal dessas medidas tende a exercer pressão sobre orçamento no médio prazo, exigindo compensações futuras via elevação da carga tributária, contenção de despesas ou revisão de programas sociais.
Benefícios concedidos de forma isolada podem ser enquadrados pela Receita Federal como subvenções vedadas, gerando aumento efetivo da carga de IRPJ e CSLL, transformando socorro fiscal em "armadilha tributária". A realocação de produtos para mercado interno pode gerar pressões inflacionárias, especialmente em alimentos.
As medidas em preparação, embora apontadas como compreensíveis por especialista, são vistas por especialistas como insuficientes para proteger setores exportadores mais impactados no longo prazo. A instabilidade gerada tanto pela taxação externa quanto pela reação apressada do governo pode afastar investimentos e ampliar desconfiança quando o país precisava de firmeza. A dependência de verbas extras e dívida acumulada criaria ciclo insustentável, especialmente se as tarifas persistirem ou expandirem a outros mercados.
A prioridade em não retaliar os Estados Unidos buscar apenas exclusão de setores, sem estratégia de negociação diplomática mais contundente e baseada em critérios técnicos com a Casa Branca, é outro ponto crítico que pode afetar empresas e famílias.
A lentidão do governo federal em apresentar soluções concretas contrasta com velocidade dos impactos das tarifas, que já provocaram reversão do fluxo de capital externo na B3 e influenciaram manutenção da taxa Selic.
A realidade se impõe: demissões e redirecionamento de investimentos
Apesar do pacote governamental ter como objetivo principal proteger empregos, o mercado já mostra primeiros sinais de ajuste à nova ordem comercial. O tarifaço de Trump e as medidas de contingência brasileiras configuram cenário de alta complexidade.
A redução nas exportações para os EUA pode levar a demissões e a inflação poderá registrar desaceleração momentânea, impulsionada pela maior oferta interna de carnes e pescados, mas a médio prazo, redução da produção e busca por novos mercados podem levar à normalização ou aumento de preços.
Os efeitos setoriais: da carne bovina às autopeças
Setores que dependem da exportação para os Estados Unidos sentem o peso das tarifas, levando a decisões drásticas que impactam mão de obra e estratégia produtiva. A Federação das Indústrias de Minas Gerais projeta redução de R$ 25,8 bilhões no PIB brasileiro no curto prazo, com eliminação de 146 mil postos de trabalho formais e informais, e redução de R$ 2,74 bilhões na renda das famílias.
A indústria de carne bovina é das mais atingidas. Com tarifa total de 74%, exportações para os EUA tornam-se economicamente inviáveis. Empresas como JBS e Marfrig, grandes exportadoras, enfrentam desafio significativo. Embora já possuam operações globais, incluindo plantas fora do Brasil que atendem mercado americano, a perda de mercado relevante pressiona margens e receitas. O redirecionamento para mercado interno causa queda inicial de preços, mas pode levar à redução do abate de fêmeas, diminuindo oferta futura e impulsionando preços novamente.
No setor de celulose e papel, tarifa de 50% inviabiliza exportações, forçando reconfiguração massiva das cadeias de suprimentos e busca por novos mercados, principalmente Ásia e Europa. A Suzano, maior produtora global com 15% a 19% da receita líquida vinda da América do Norte, enfrenta desafio direto. Ela estuda construir fábrica de celulose nos Estados Unidos para mitigar efeitos das tarifas.
O setor têxtil e de calçados, com alta exposição ao mercado americano, será diretamente afetado por tarifas de até 50%. Empresas como Alpargatas e Arezzo devem ser impactadas, com potencial queda na receita e margens no curto e médio prazo.
Gerdau e Taurus: exemplos de fuga de capital e produção
A Gerdau, embora tenha exposição diversificada, é significativamente afetada pelo setor automotivo e autopeças. A empresa já demitiu 1.500 funcionários entre janeiro e julho em unidades de São Paulo, respondendo ao crescimento da importação de aço no Brasil, especialmente da China, e ausência de medidas eficazes do governo para proteger indústria nacional.
A Gerdau confirmou que reduzirá investimentos no Brasil a partir de 2026, reavaliando estratégia, enquanto manterá aportes nos Estados Unidos, onde enxerga ambiente favorável e políticas de incentivo à reindustrialização.
A Taurus, maior fabricante brasileira de armas, confirmou transferência de parte da produção do Brasil para os Estados Unidos devido à política tarifária de 50%. A partir de setembro, 900 das 2.100 armas da família G produzidas diariamente no Brasil passarão a ser fabricadas em solo americano. A empresa já possui fábrica na Geórgia e pretende ampliar linhas de produção no local.
O segmento de máquinas e equipamentos, com empresas como WEG, Tupy e Randon, também enfrenta inviabilização de exportações para os EUA. A resiliência dependerá da capacidade de adaptação e diversificação. A WEG pode mitigar impacto redirecionando produção para fábricas nos EUA. A Embraer, apesar de isenta de tarifas mais altas, tem planos de ampliar investimentos nos EUA, dependendo de vendas do cargueiro militar KC-390.
A lógica política por trás do protecionismo da tarifa de Trump e a resposta diplomática do Brasil
A lógica do protecionismo americano revela seu caráter político. Em ano com eleições nos EUA, Trump busca proteger setores domésticos sensíveis e garantir estabilidade de preços internos. A seletividade das tarifas preservou alguns segmentos que são mais dependentes do Brasil, O suco de laranja, por exemplo, enfrenta apenas a tarifa global de 10%. A Petrobras mantém acesso irrestrito ao mercado americano, sendo a principal beneficiada pela isenção no setor energético. A Embraer também foi explicitamente excluída das novas tarifas, preservando competitividade em mercado vital para a aviação brasileira.
O Brasil já recorreu à Organização Mundial do Comércio contra a medida, considerando-a "extremamente injusta" e com "base jurídica totalmente fraca". O argumento oficial é que as tarifas se apoiam em "questões de natureza política partidária". Contudo, Alckmin declarou que a prioridade não é retaliar, mas resolver a questão e ampliar o número de setores excluídos. Haddad tem reunião agendada com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, para dar continuidade às negociações. O vice-presidente sinaliza possíveis caminhos para negociação bilateral, como regulação de big techs, acesso a minerais críticos e política de data centers.
Segundo porta-voz americano, o governo brasileiro não teria enviado propostas relevantes para negociar as tarifas. O próprio governo americano agiu para aliviar tarifas conforme seus interesses de mercado interno, abrindo exceções seletivas ao tarifaço.
Fonte: Por Vandré Kramer
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