Defesas podem usar voto de Fux para pedir anulação de julgamento e recorrer a órgãos internacionais

Editors Choice

3/recent/post-list

Geral

3/GERAL/post-list

Mundo

3/Mundo/post-list
NASA RO

Defesas podem usar voto de Fux para pedir anulação de julgamento e recorrer a órgãos internacionais

Em voto, Fux abordou desde a incompetência do STF para julgar até a falta de provas contra acusados. (Foto: Fellipe Sampaio/STF)

Porto Velho, RO - O voto do ministro Luiz Fux em julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta-feira (10), abriu pontos importantes de divergência que podem ser usados pelas defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros réus julgados por suposta tentativa de golpe de Estado para pedir a anulação do julgamento na Justiça brasileira e em cortes e organismos internacionais.

Ao se manifestar, Fux não apenas pediu a absolvição do ex-presidente e outros cinco dos oito réus do Núcleo 1, como reconheceu a existência de nulidade absoluta do processo por entender que o Supremo, e em especial a Primeira Turma, não teria competência para conduzir o caso, pois Bolsonaro e outros investigados não têm mais foro privilegiado.

Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, os pontos que mais pesam e que foram defendidos por Fux são: a avaliação que o julgamento não seria de competência do STF e, se o fosse, deveria ser levado ao plenário, o cerceamento ao direito da defesa diante do imenso volume de materiais apreendidos e tempo limitado para analisá-lo e a falta de provas que configurassem os crimes imputados aos réus.

O deputado federal Zucco (PL-RS) afirmou que o voto de Luiz Fux é determinante, inclusive, para a anistia dos condenados pelo 8 de Janeiro. Segundo o parlamentar, Fux deixou claro que não há crimes atribuíveis ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aos demais réus e reconheceu a “incompetência absoluta do foro” no caso.

Embargos de declaração devem postergar prisão dos réus

Do ponto de vista processual, uma divergência dá munição para a apresentação de recursos à própria Primeira Turma do STF, responsável pelo julgamento. O principal deles é o chamado embargo de declaração, que aponta falhas e contradições nos votos dos ministros. Ainda que esse instrumento dificilmente reverta a decisão do Supremo, ele pode servir para prolongar o processo, discutindo detalhes técnicos ou questionando supostas omissões no acórdão, que é o documento final do processo.

As defesas têm cinco dias para entrar com esse tipo de recurso. Na prática, ele servirá para que Bolsonaro e os demais réus não comecem a cumprir imediatamente as sentenças de prisão. Os ministros tendem a julgar rápido os recursos, mas não é possível dizer ainda quando exatamente os condenados terão que começar a cumprir suas penas.

Voto de Fux pode embasar futuros pedidos de anulação

Para Márcio Nunes, especialista em Direito Penal, ao reconhecer uma nulidade absoluta do processo por incompetência do STF, já que Bolsonaro não tem mais foro privilegiado, o voto de Fux abre espaço para a defesa interpor recursos no futuro.

“O voto divergente não muda o resultado agora, mas cria uma brecha jurídica que pode, sim, ser usada pela defesa em um recurso ao próprio STF logo após o julgamento ou mesmo no futuro, com possibilidade de anulação. Isso não seria novo no Brasil e as defesas certamente contam com isso”.

O especialista avalia que o ponto mais incisivo levantado por Fux foi a falta de provas que confirmassem os crimes imputados ao grupo. “Ele reconhece que houve cerceamento da defesa com milhões de páginas e arquivos para serem analisados em pouco tempo, além de não se mostrarem provados elementos capazes de sustentar a acusação. Isso em um recurso futuro pode ser amplamente debatido porque se trata de um voto que fica para a história do STF”, descreve.

Aliados dos réus e analistas avaliam que, em um possível cenário de mudança na composição do STF – como um eventual impeachment de Alexandre de Moraes – ou ainda com alteração no contexto político do país, os argumentos apresentados por Fux poderão ser utilizados para tentar reverter uma eventual condenação do ex-presidente e dos demais acusados. “O voto dá inúmeros subsídios às defesas para os recursos que virão”, avalia o advogado constitucionalista André Marsiglia.

Cortes internacionais podem pressionar por reabertura de processo ou medidas de reparação

O constitucionalista Alessandro Chiarottino lembra que o voto também dá margens para recursos em cortes internacionais. Durante a leitura de seu voto, Fux fez referências repetidas ao Pacto de São José da Costa Rica, tratado internacional de 1969 conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos. “O Brasil é signatário do acordo, que assegura garantias fundamentais aos cidadãos dos países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA)”, descreve.

O pacto estabelece que toda pessoa tem direito a ser julgada por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, previamente estabelecido em lei. “Tudo que o STF não tem sido ao longo dos últimos seis anos e se mostrou provado no voto do ministro Fux”, avalia o doutor em Direito e comentarista político Luiz Augusto Módolo.

O dispositivo internacional também garante que ninguém pode ser submetido a tribunais de exceção e assegura o chamado duplo grau de jurisdição. Isso significa que, após uma condenação, o réu deve ter o direito de recorrer a uma instância superior dentro do próprio sistema judicial do país ou, em casos como este, fora dele.

“O tratado não prevê que alguém seja julgado apenas por uma única corte, mas sim que o processo respeite garantias de imparcialidade, legalidade e a possibilidade de revisão por um tribunal superior”, destaca Márcio Nunes.

Advogados de defesa já estariam analisando que essa menção de Fux indica que o ministro tem consciência de que sua posição poderá embasar eventuais recursos apresentados em instâncias internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, ou o Comitê de Direitos Humanos da ONU, na Suíça.

Quando se recorre a cortes internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, essa instância internacional não atua como uma espécie de "quarta instância" ou tribunal recursal. Ela não reexamina provas nem substitui o julgamento feito pelo STF. No entanto, a Corte internacional tem competência para verificar se houve violação de direitos humanos garantidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário desde 1992.

Caso constate alguma violação, a corte internacional pode condenar o Estado brasileiro e determinar medidas de reparação. Essas medidas podem incluir a reabertura ou revisão do processo, o pagamento de indenizações a vítima ou familiares, mudanças legislativas ou administrativas, publicações oficiais reconhecendo a responsabilidade do Estado, entre outras providências.

“Embora a decisão da Corte internacional não anule automaticamente a sentença do STF, ela impõe obrigações ao Estado brasileiro, que, por reconhecer a jurisdição da Corte, compromete-se internacionalmente a cumprir suas determinações”, alerta Márcio Nunes.

Na prática, isso significa que o Brasil pode ser compelido a rever a decisão interna, inclusive por meio de ações revisionais. Um desses exemplos foi o de Vladimir Herzog, que levou o Supremo a reconhecer, em consonância com a jurisprudência internacional, que crimes contra a humanidade não prescrevem.

“Embora uma corte internacional não possa diretamente anular uma decisão do STF, sua atuação pode beneficiar o réu ao forçar o Estado brasileiro a adotar medidas reparatórias, reabrir o caso, modificar entendimentos jurisprudenciais e até promover reformas estruturais que impactam o sistema de justiça como um todo”, diz Nunes. As decisões da Corte são obrigatórias para o Brasil, e sua aplicação pode ter efeitos concretos e relevantes na proteção dos direitos fundamentais.

Posicionamento de Fux reforça discurso político pela anistia geral

A conclusão de Fux de que o julgamento de Bolsonaro e dos demais réus não deveria ter ocorrido no STF deve embasar a argumentação política pela invalidação de todo o processo.

O caso já está sendo comparado ao do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve sua sentença anulada quando o STF concluiu que o processo deveria ter sido conduzido pela Justiça de Brasília e não de Curitiba.

Porém, diferente do contexto de Lula, dessa vez a composição dos ministros do STF torna improvável uma revisão do caso no próprio órgão. Por isso, a aposta dos apoiadores de Bolsonaro é no Congresso.

"Nós vamos agora com todas as forças unir sim o Parlamento, que é quem tem a competência para promover a pacificação desse país e fazer a anistia ampla, geral e irrestrita para todos incluindo Bolsonaro", disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Após a condenação de Bolsonaro, a oposição abandonou a negociação sobre a possibilidade de que um projeto de lei de anistia aos presos de 8 de janeiro de 2023 não inclua o ex-presidente.

De acordo com o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, há um esforço político para que o texto seja colocado em votação já na semana que vem na Câmara. A oposição diz que uma articulação do PL com o União Brasil, o PP, o Republicanos e o Novo já garante os votos necessários para a aprovação.

Contudo, o projeto de lei tende a enfrentar dificuldades no Senado, onde pode ser atrasado ou mesmo barrado pelo presidente Davi Alcolumbre (União-AP). Além disso, mesmo se aprovado, o projeto de lei pode ser contestado pelo STF, o que tende a gerar uma crise institucinal entre os poderes.

Fonte: Por Juliet Manfrin

Postar um comentário

0 Comentários