A retórica do populismo

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A retórica do populismo


David Gertner

Há algo de hipnótico no populismo. Ele fala a língua do povo, usa suas dores como argumento e suas esperanças como combustível. É um discurso que promete devolver dignidade aos esquecidos, justiça aos explorados e poder aos impotentes. Mas por trás das palavras inflamadas, esconde-se quase sempre o mesmo roteiro: a simplificação de problemas complexos, a criação de inimigos imaginários e o culto à figura do salvador.

O populista não governa — ele encena.

Sua força está na retórica, não na razão.

Enquanto o estadista trabalha com diagnósticos, dados e planejamento, o populista trabalha com emoções. Ele não busca convencer pela lógica, mas conquistar pela paixão. Fala alto, gesticula muito, e transforma qualquer discordância em traição. Sua mensagem não se dirige à mente, mas ao instinto.

Por que o populismo seduz


O populismo prospera onde há frustração, desigualdade e descrédito das instituições. Ele se alimenta da sensação de abandono e da crença de que “todos os políticos são iguais”. Surge quando o cidadão comum, cansado de promessas vazias, busca alguém que fale “como ele”. O populista se apresenta então como “um de nós”, embora quase nunca seja.

Mas o segredo de seu sucesso está em oferecer algo que a política racional raramente entrega: emoção. Ele devolve às massas o sentimento de pertencimento e importância. Transforma o eleitor em protagonista de uma batalha épica entre o bem e o mal, o povo e a elite, a pátria e o inimigo.

E, quando a narrativa é poderosa o suficiente, a verdade deixa de importar.

As consequências


A retórica populista é um anestésico moral.

Ela substitui o pensamento crítico pela lealdade, e o diálogo pela devoção.

O populista não precisa governar bem — precisa apenas convencer de que ninguém mais poderia fazê-lo melhor. Ele divide para dominar, e governa em permanente estado de campanha, sempre buscando um novo culpado para justificar os próprios fracassos.

As consequências são conhecidas: a degradação das instituições, o enfraquecimento da imprensa livre, o desprezo pela ciência e o culto à ignorância. Nas economias, o resultado é o mesmo: políticas de curto prazo, déficits crescentes, fuga de investimentos e o aumento da dependência estatal. Na cultura, instala-se o maniqueísmo: quem discorda é inimigo. No espírito coletivo, nasce o cinismo.
De um país ao mundo

O populismo não conhece fronteiras. Ele floresce tanto à esquerda quanto à direita, em democracias antigas ou jovens. Pode vestir o uniforme revolucionário de um líder latino-americano, o terno nacionalista de um europeu ressentido ou o boné vermelho de um bilionário americano.

Mas a essência é sempre a mesma: um discurso que simplifica, divide e promete redenção sem sacrifício.


A retórica populista é um espelho no qual as sociedades se contemplam quando perdem a confiança em si mesmas. Enquanto houver medo, desigualdade e desesperança, sempre haverá alguém disposto a oferecer respostas fáceis em troca de obediência cega.
E o antídoto

O antídoto para o populismo não é o desprezo, mas a educação.

Um povo instruído é menos vulnerável à sedução do discurso fácil.

O populista precisa da ignorância para florescer; o conhecimento o seca pela raiz.

Reforçar instituições, cultivar o pensamento crítico e restaurar o valor da verdade — mesmo quando incômoda — é o único caminho para resgatar a política como espaço de construção coletiva, e não de manipulação emocional.

Porque o populismo, em qualquer de suas formas, é sempre a vitória da retórica sobre a razão — e, cedo ou tarde, essa vitória cobra um preço alto demais.

 * David Gertner, Ph.D. Nascido no Brasil e radicado há mais de trinta anos nos Estados Unidos, é professor aposentado e doutor pela Northwestern University. Escritor e ensaísta, dedica-se a refletir sobre identidade, ética, tempo, memória e a condição humana.

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