O AI-5 no espelho e a prisão de Bolsonaro

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O AI-5 no espelho e a prisão de Bolsonaro


Percival Puggina

Não é porque algum professor me contou que conheço a história dos governos militares, mas porque estive bem vivo, jovem e atento no decurso dos acontecimentos.

Entrei na faculdade de Arquitetura da UFRGS aos 19 anos, em março de 1964 (remember the date?) e já atuava na política estudantil havia cinco anos. Quando o AI-5 foi editado, no dia 13 de dezembro de 1968, eu tinha terminado os cinco anos do curso, estava esperando os registros profissionais e ia casar.

Um quarto de século mais tarde, muita água corrida sob a ponte, conheci Jarbas Passarinho. À época, ele era o mais idoso que falava, em longas e proveitosas conversas, olho no olho, num gabinete do Senado; eu, o mais jovem que ouvia a história por um de seus autores. Ele tinha sido membro do Conselho de Segurança Nacional onde se concentrava a linha dura que decretou o AI-5. Sabia muito, mas isso é outra história.

Com tais motivações e contradições, acabei lendo muito sobre causas e consequências daquele ato institucional. Tal conhecimento dá nitidez à minha percepção de seu espelhamento na situação atual. Ou seja, reproduzindo o que aconteceu em 1968 contra a esquerda que pegou em armas, a atual linha dura do STF “formou maioria” para assumir o protagonismo da política contra a direita desarmada. Com o poder das canetas, compôs sua narrativa, se impôs ao Congresso, se opôs ao governo Bolsonaro e calou os “manés”.

Nesse período, a direita emergente passou a ser vista como perigosa pelos que se proclamavam vítimas dos governos militares. Com Bolsonaro, porém, ela se popularizava, identificando-se com conservadorismo e livre mercado, ingressando numa fase de afirmação de princípios e valores cristãos, em antagonismo à agenda estatista, revolucionária, antiocidental e identitarista da esquerda.

O inusitado protagonismo político do Supremo se deveu, então, à expansão da direita, à retração da esquerda desacreditada após os insucessos e escândalos de três mandatos consecutivos do petismo, e à numerosa maioria oposicionista no STF. O ativismo ganhou o nome de papel “contramajoritário” do Tribunal. Como a palavra final da última instância do Judiciário é a coisa mais definitiva do país, o Supremo, politizado, foi absorvendo incumbências institucionais e ficando mais e mais parecido com o Conselho de Segurança Nacional durante os governos dos militares. A Primeira Turma é seu núcleo “linha dura”.

Ao longo da história universal, sem exceção, poderes que tudo podem trazem às próprias mãos todas as decisões de seu interesse. E a autoritária política sem voto das togas vai aumentando a semelhança com a política autoritária e sem voto das fardas… Agora, como antes, sem a anistia ampla, geral e irrestrita não há retorno bom às liberdades constitucionais e à democracia.

Na melhor tradição do Ocidente, Justiça e Política podem coabitar, mas não devem dormir na mesma cama. O AI-5 fechou por dez meses o Congresso Nacional que quis preservar sua independência. Já há alguns anos, salvo honrosas e dignas exceções, intimidado pelo poder que tudo pode, a despeito dos bravos e livres, a maioria do Congresso terceirizou essa independência. Entregou os dedos da representação para preservar os anéis da reeleição.

 * Percival Puggina é arquiteto, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org)

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