Educar em tempos de desconexão emocional

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Educar em tempos de desconexão emocional

Investir em competências socioemocionais não é modismo: é uma urgência educacional, social e humana. (Foto: Vitaly Gariev/Unsplash )



Porto Velho, RO- Vivemos em uma era de hiperconectividade, mas paradoxalmente marcada por uma crescente desconexão emocional, reflexo da falta de uma educação emocional, – uma incompatibilidade que se reflete com força na sala de aula. O espaço que deveria ser dedicado ao conhecimento e ao desenvolvimento integral do estudante passou a abrigar tensões, desigualdades sociais e, em muitos casos, tornou-se o último refúgio seguro para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

Enquanto isso, a escola enfrenta uma crise silenciosa. Não apenas o desempenho acadêmico tem sido comprometido, mas também a saúde emocional de quem ensina. Um estudo do Instituto de Saúde e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revela que 32,75% dos professores da educação básica sofrem da síndrome de burnout. Além disso, 55,92% apresentam burnout pessoal e 43,58% relatam esgotamento relacionado ao trabalho. A sobrecarga de funções – que vai muito além do ato de ensinar –, a pressão por resultados e a escassez de apoio institucional tornam o cenário ainda mais desafiador.

Do outro lado da sala, os estudantes também chegam à escola emocionalmente sobrecarregados. Muitos não têm ferramentas básicas para lidar com frustrações ou conviver em grupo, o que compromete a aprendizagem. O que deveria ser um espaço de desenvolvimento pleno se transforma, muitas vezes, em palco de tensão e conflitos. É fundamental cuidar da saúde de nossos educadores, para que eles possam oferecer apoio emocional em sala de aula. Mais do que isso, é papel dos governos ampliar parcerias com profissionais da saúde mental, oferecendo suporte psicológico para toda a comunidade escolar, sem sobrecarregar ainda mais os docentes.

O cenário de desgaste emocional impacta a todos: alunos e educadores veem sua relação fragilizada e, com ela, perdem-se as condições mínimas para a aprendizagem. O resultado? Baixos índices de aprendizado, evasão escolar crescente e um ciclo vicioso de frustração e desmotivação.

Em algumas redes estaduais de ensino, já há políticas públicas que monitoram os indicadores de bem-estar emocional e o clima escolar, como forma de orientar práticas pedagógicas mais assertivas. Mas a medida ainda não é difundida em todas as unidades de ensino, especialmente as públicas, o que gera distorções na avaliação da qualidade do ensino no Brasil. É necessário reconectar a escola com seu papel humano para romper o ciclo de adoecimento, violência e evasão. Essa responsabilidade, no entanto, não é unilateral. As famílias – e até mesmo a comunidade ao redor – também devem se manter engajadas para ampliar essa rede de proteção.

Embora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reconheça que educar vai além do conteúdo acadêmico e defender o desenvolvimento integral do estudante, ou seja, tanto no aspecto cognitivo quanto no emocional e social, um dado alarmante que decorre da crise emocional e relacional no ambiente escolar é a crescente violência nas escolas. Segundo o Instituto DataSenado, cerca de 11% dos estudantes brasileiros sofreram algum tipo de violência escolar, o que representa aproximadamente 6,7 milhões de alunos vitimados em pesquisa realizada em 2023.

Esses dados confirmam a urgência de uma resposta sistêmica e estruturada. Não se trata apenas de medidas de segurança, mas de uma transformação na forma como educamos. Essa mudança passa, necessariamente, pela formação continuada de educadores, com foco no desenvolvimento de competências socioemocionais, como empatia, escuta ativa e regulação emocional.

Uma programação voltada para esse fim também é bem-vinda. As escolas deveriam ter espaços regulares de acolhimento – como rodas de conversa, tutoria afetiva e práticas restaurativas – que fortaleçam os vínculos entre alunos e professores e contribuam para a prevenção de conflitos e melhor educação emocional . Até mesmo os currículos escolares poderiam ser repensados para incluir projetos interdisciplinares envolvendo arte, meditação e temas ligados à convivência, à diversidade e à cultura da paz.

Mesmo diante de tantos alertas, os dados alarmantes persistem e reforçam a certeza de que investir em competências socioemocionais e educação emocional não é modismo: é uma urgência educacional, social e humana. A pergunta que fica é: onde estamos errando e qual o melhor caminho a seguir? Parte da resposta, nós já conhecemos.

Por Blenda Costa Alves é gestora do Instituto MRV.

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