Editorial - Julgando com o fígado

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Editorial - Julgando com o fígado

Novas mensagens de Tagliaferro levantam suspeitas sobre interferência de Alexandre de Moraes na segurança pública de SP. (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

Porto Velho, RO - Que Alexandre de Moraes não gosta de ver suas decisões contestadas é um fato inegável. Da censura aos que o criticam à investigação ordenada contra um juiz que deu ganho de causa e determinou indenização ao ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese, censurado por uma publicação que não fez, as ações do ministro apenas confirmam o “quando ele cisma, é uma tragédia”, dito pelo juiz instrutor Airton Vieira (então lotado no gabinete de Moraes no STF) ao então perito do TSE Eduardo Tagliaferro. Agora, a cisma do ministro pode levar a um desentendimento diplomático com a Espanha.

Na segunda-feira, dia 14, a Justiça espanhola, atendendo a uma recomendação do Ministério Público do país, negou por unanimidade o pedido feito pelo Brasil para extraditar o jornalista Oswaldo Eustáquio, que teve sua prisão determinada por Moraes em 2022 dentro do inquérito dos “atos antidemocráticos”, um dos filhotes do abusivo inquérito das “fake news”. Em 2024, Eustáquio foi alvo de um novo mandado de prisão por suposta corrupção de menores, já que ele estaria usando as contas da filha adolescente nas mídias sociais para seguir manifestando sua opinião. A Audiência Nacional – um tribunal que tem jurisdição sobre toda a Espanha – considerou que a conduta do jornalista tinha “evidente vínculo e motivação política, já que é realizada no âmbito de uma série de ações coletivas de grupos que apoiam Bolsonaro (…) e se opõem ao atual presidente Lula da Silva”, e que os crimes imputados a ele no Brasil não passariam de crimes políticos, o que não justificaria a extradição.

Negar a extradição de Vasil Vasilev apenas porque os espanhóis não entregaram Oswaldo Eustáquio a Moraes, como o ministro admite explicitamente em sua decisão, não é reciprocidade, mas retaliação grosseira

A resposta de Moraes veio célere, por meio de um bloqueio de outro pedido de extradição, feito pela Espanha. Na terça-feira, dia 15, Moraes não apenas negou a entrega, às autoridades espanholas, do búlgaro Vasil Georgiev Vasilev; o ministro ainda ordenou que ele passasse para a prisão domiciliar. Como se não bastasse, Moraes ainda determinou que o embaixador espanhol em Brasília prestasse informações ao STF sobre a aplicação do princípio da reciprocidade, usado por Moraes para barrar a extradição de Vasilev – o búlgaro foi preso no Brasil em fevereiro, e é acusado pela Espanha de tráfico de drogas, tendo sido flagrado em 2022 com 52 quilos de cocaína em Barcelona, onde residia.

Negar a extradição de Vasilev apenas porque os espanhóis não entregaram Eustáquio a Moraes, como o ministro admite explicitamente em sua decisão, não é reciprocidade, mas retaliação grosseira. O tratado de extradição assinado em 1990 entre Brasil e Espanha afirma, no seu artigo 4.º, 1, “f” e “g”, que “não será concedida a extradição (...) quando a infração construir delito político ou fato conexo” e “quando o Estado requerido [no caso de Eustáquio, a Espanha] tiver fundados motivos para supor que o pedido de extradição foi apresentado com a finalidade de perseguir ou punir a pessoa reclamada por motivo de raça, religião, nacionalidade ou opiniões políticas; bem como supor que a situação da mesma seja agravada por esses motivos”. Foi exatamente essa a avaliação do Ministério Público e da Justiça da Espanha – o mesmo artigo 4.º, item 2, ainda acrescenta que “a apreciação do caráter do crime caberá exclusivamente às autoridades do Estado requerido”. A não ser que, na cabeça de Moraes, tráfico de drogas tenha se tornado crime político, não há possibilidade alguma de invocar reciprocidade para negar a extradição de Vasilev.

Acostumado a ser adulado como um “grande defensor da democracia” – isso quando não se torna a democracia encarnada, como no caso do aeroporto de Roma –, Moraes acabou exposto pela Justiça espanhola como o que é, um perseguidor político. E sua reação foi visceral. Falar em “reciprocidade”, igualando os supostos crimes atribuídos a Eustáquio ao ato de carregar 52 quilos de droga em malas, não é argumento de quem raciocina com o cérebro, mas com o fígado. Uma falha que pode até não causar uma grave crise diplomática, mas que revela Moraes ao mundo de forma muito mais evidente que qualquer perfil em revistas norte-americanas.

Fonte: Por Gazeta do Povo

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