De Lula a Beira-Mar, vários presos deram entrevistas. Por que os do 8/1 não podem?

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De Lula a Beira-Mar, vários presos deram entrevistas. Por que os do 8/1 não podem?


Alexandre de Moraes proibiu presos do 8 de janeiro de conceder entrevistas em decisões genéricas e sem fundamentação (Foto: Rosinei Coutinho/STF)


Porto Velho, RO
- Uma série de presos brasileiros já concederam entrevistas à imprensa durante o cumprimento de suas penas, alguns deles com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os casos notórios estão os de homicidas e traficantes, como Fernandinho Beira-Mar, Marcinho VP e Suzane von Richthofen, além de políticos, como o presidente Lula e o ex-senador Luiz Estevão.

Nada disso foge à lei: a Constituição Federal assegura liberdade de expressão, proibição de censura prévia e liberdade de imprensa, e presos não perdem esses direitos automaticamente.

No entanto, todos os presos por participação nos protestos ocorridos em Brasília em 8 de janeiro de 2023 têm sido proibidos sumariamente pelo ministro do STF Alexandre de Moraes de conceder entrevistas. A decisão se aplica tanto aos que estão dentro dos centros de detenção quanto aos que cumprem prisão domiciliar.

O setor jurídico da Gazeta do Povo enviou ao gabinete de Moraes pedidos de entrevistas a sete detidos por envolvimento no 8 de janeiro. No primeiro pedido, feito há dois meses, o jornal pede autorização para entrevistar Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro, que está em prisão domiciliar desde agosto de 2024. Até o momento não houve retorno.

No alvará de soltura que concedeu a prisão domiciliar a Martins, o ministro proibiu entrevistas “a qualquer meio de comunicação, incluindo jornais, revistas, portais de notícias, sites, blogs, podcasts e outros, sejam eles nacionais ou internacionais”, salvo expressa autorização do STF. Também consta a proibição ao uso de redes sociais.

No início de maio, a Gazeta do Povo protocolou novos pedidos de entrevista, desta vez a seis outros presos do 8 de janeiro. Até o momento o gabinete do ministro não retornou a nenhum dos pedidos.

“O STF está impondo a esses presos restrições que não estão previstas na legislação, e muito menos que podem ser aplicadas de maneira indiscriminada. Não há justificativa para que traficantes como Pedrinho Matador ou Fernandinho Beira-Mar sejam tratados de modo diverso. Sem dúvida está havendo uma injusta discriminação”, diz Alessandro Chiarotinno, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP.

Autorização para entrevista de Lula veio do próprio STF

A decisão que, em 2018, autorizou o então ex-presidente Lula – à época preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – a conceder entrevista a dois jornais foi proferida por Ricardo Lewandowski. Hoje ministro da Justiça do governo Lula, Lewandowski integrava o STF na ocasião.

O então membro do Supremo fundamentou a autorização na liberdade de imprensa e na vedação à censura prévia. Segundo Lewandowski, rejeitar o pedido corresponderia a “censurar a imprensa e negar ao preso o direito de contato com o mundo exterior”.

Para isso, o ex-ministro se baseou na ADPF 130 em que o próprio STF estabeleceu um marco jurídico que reafirmou a liberdade de imprensa. Em sua decisão, Lewandowski disse que negar o pedido de entrevista “violaria frontalmente o que foi decidido na ADPF 130/DF”. A postura de Moraes em relação aos presos do 8 de janeiro, portanto, entra em contradição com entendimento anterior firmado pela Corte.

“Essa decisão de que os presos não podem dar entrevista é completamente ilegal, como a maioria dos atos que o ministro Moraes tem cometido nesse processo. Essa proibição não existe em lugar nenhum e fere a liberdade de expressão. E os demais ministros têm sido coniventes com o que tem acontecido”, diz a advogada Carolina Siebra, integrante da Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav)

Gazeta do Povo usou entendimento de Moraes para solicitar entrevistas

Ao solicitar ao gabinete de Moraes autorizações para a concessão de entrevistas, o setor jurídico da Gazeta do Povo mencionou um entendimento sobre “liberdade comunicativa” do próprio ministro, que foi relator da ADI 4451, analisada em 2018 pelo STF. A ação questionava dispositivos da Lei das Eleições que proibiam emissoras de rádio e TV de veicular programas de humor envolvendo candidatos nos três meses anteriores às eleições.

Em seu relatório, aprovado por unanimidade, Moraes entendeu que esses dispositivos eram inconstitucionais. Para isso, alegou que a “liberdade comunicativa” não é um direito apenas de quem fala, mas também de quem ouve.

“Não se pode perder de vista que a liberdade de expressão jamais possui um aspecto meramente individual. Não se trata apenas de direitos que pertencem a quem fala ou de quem está com a palavra, mas também de quem a ouve. O direito à liberdade de expressão abrange, necessariamente, uma dimensão social, que engloba o direito de receber informações e ideias”, disse o ministro na ocasião.

Uma das presas que a Gazeta do Povo solicitou pedido de entrevista é Eliene Amorim de Jesus, uma manicure maranhense que ganhou direito à prisão domiciliar em abril deste ano após dois anos detida na Unidade Prisional de Ressocialização Feminina (UPFEM), em São Luís-MA.

Apoiadora de Bolsonaro e estudante de Psicologia, ela costumava frequentar atos de apoio ao ex-presidente com o objetivo de escrever um livro, sob a ótica da Psicologia, explicando as razões que motivavam a reunião de tantos desconhecidos por uma afinidade política.

Após sua prisão, a PF apreendeu seu celular e comprovou sua versão ao identificar rascunhos sobre o livro no bloco de notas do aparelho. Os policiais não identificaram nenhuma evidência concreta de vandalismo cometido pela manicure no 8 de janeiro, mas mesmo assim decidiram indiciá-la.

Mesmo sem provas de violência, em seu alvará de soltura constam diversas medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de receber visitas (com exceção de pais, irmãos e advogados) e as já tradicionais restrições à comunicação, tanto para entrevistas quanto uso de redes sociais.

Não consta, entretanto, nenhuma fundamentação que explique as razões para as restrições à comunicação. Pelo contrário: várias das ordens judiciais dirigidas aos diferentes presos são genéricas, repetindo os mesmos textos e determinações, sem individualizar as motivações para as medidas impostas.

“Seria necessário que o STF demonstrasse a probabilidade de que essa concessão de entrevista se tornasse uma ameaça à ordem interna da prisão ou à ordem pública, o que me parece bastante difícil. Sobre a proibição de uso de redes sociais aos presos, vale o mesmo”, explica Chiarottino.

“Não se pode fazer como o STF fez, atribuindo o mesmo efeito para todos os presos. As razões para essas proibições precisam ser muito bem fundamentadas”, complementa.

Fonte: Por Gabriel Sestrem

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