
Porto Velho, RO - A surpreendente decisão do Comitê Norueguês do Prêmio Nobel, anunciada na última sexta-feira, dia 10 de outubro, de conceder o Prêmio Nobel da Paz à líder oposicionista venezuelana María Corina Machado, trouxe o foco da atenção internacional para o país sul-americano. María Corina imediatamente usou o espaço que ganhou na imprensa mundial para apelar ao presidente dos EUA, Donald Trump, que atue de forma decisiva em favor de uma mudança de regime na Venezuela.
De fato, não são poucos os sinais de que o governo americano já trabalha efetivamente por uma troca de regime. Desde o primeiro mandato, Trump tem aumentado paulatinamente, mas de forma constante, a pressão sobre Nicolás Maduro, a começar pelo oferecimento de uma recompensa por informações que levem à sua captura.
A recompensa, que em 2020 foi estabelecida em 15 milhões de dólares, foi aumentada para 25 milhões em janeiro deste ano e, depois, elevada novamente, em agosto, para 50 milhões de dólares.
Os EUA não reconhecem como legítimo o governo de Maduro, que, segundo vários grupos de observadores internacionais, teria fraudado as últimas eleições presidenciais. Mais do que isso, indicam que ele é um dos líderes do “Cartel de los Soles”, um grupo criminoso organizado chefiado por altos funcionários venezuelanos.
Ao mesmo tempo, a pressão americana sobre a Venezuela atingiu níveis inéditos. O presidente Trump formalizou, em documentos oficiais, o reconhecimento de que seu país está em conflito armado contra os cartéis de drogas, classificando como terroristas os narcotraficantes que integram diversos grupos criminosos latino-americanos.
Com essa decisão, os militares americanos ficam autorizados a eliminar os narcotraficantes que tentem traficar drogas aos EUA, uma vez que eles deixam de ser considerados criminosos comuns e passam a ser tratados como inimigos. Sob esse enquadramento jurídico, quatro lanchas que, segundo a inteligência norte-americana, transportavam drogas da Venezuela para os EUA, em águas internacionais, foram sumariamente destruídas em ataques de mísseis, causando a morte de 21 pessoas.
Essas operações foram desencadeadas por tropas do Comando Sul dos Estados Unidos. Esse comando, que tem como área de responsabilidade todo o hemisfério ocidental ao sul do México, desdobra, neste momento, de forma inédita, um enorme poder de combate no Caribe.
O Comando Sul mobiliza desde contratorpedeiros dotados de mísseis Tomahawk até navios transportando milhares de fuzileiros navais. Conta atualmente com oito navios da Marinha americana, além de um submarino de propulsão nuclear na região.
Outro movimento notável dos EUA para reforçar sua presença militar no Caribe foram os pedidos feitos a algumas nações insulares da região para autorizar o aumento da presença militar norte-americana nas ilhas, além da instalação de novos equipamentos, como radares.
O governo da ilha de Granada, localizada a 160 km da costa da Venezuela, reconheceu oficialmente a consulta norte-americana. Iniciativas semelhantes envolvem Trinidad e Tobago e o território americano de Porto Rico. Este último viu seus efetivos militares se multiplicarem recentemente, recebendo inclusive caças F-35 e aeronaves de reconhecimento P-8A Poseidon
É evidente que tamanho poder de combate é muito superior ao necessário para simples operações de combate ao narcotráfico
Quando esse desdobramento inédito de capacidades militares é analisado levando-se em conta o quadro político que atualmente envolve as relações entre os EUA e a Venezuela, a hipótese de que as operações evoluam em direção ao território venezuelano torna-se bastante plausível.
Sentindo a pressão aumentar, a Venezuela tentou demonstrar alguma prontidão militar, realizando manobras conjuntas de três dias de duração — o exercício Caribe Soberano 200. Além disso, foi decretada uma grande mobilização das chamadas “milícias bolivarianas”: milhares de civis foram convocados para receber treinamentos básicos de tiro e de maneabilidade.
No campo da política internacional, a Venezuela convocou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, realizada na última sexta-feira. O país alega que os recentes ataques americanos às lanchas que, segundo os EUA, faziam narcotráfico, eram parte de uma ameaça maior contra a integridade territorial e a independência política da Venezuela.
Na reunião, o representante venezuelano acusou o presidente Trump de tentar derrubar o governo de Nicolás Maduro. Rússia e China criticaram duramente os Estados Unidos, afirmando que suas ações violavam o direito internacional e a soberania da Venezuela.
O representante dos EUA no Conselho declarou que Washington não reconhece Maduro e “seus comparsas” como o governo legítimo da Venezuela e que as forças americanas estão preparadas para realizar novas operações militares, conforme necessário, para combater os cartéis de drogas.
Como se vê, a situação no norte da América do Sul e no Caribe está bastante tensa. É possível — talvez até provável — que os EUA atuem militarmente contra o território venezuelano. Isso pode ocorrer de forma pontual, em um ataque contra algum alvo específico, que será apontado pelos EUA como relacionado ao narcotráfico internacional de drogas.
A atuação americana poderá acontecer também sob a forma de apoio a algum movimento dissidente dentro da própria Venezuela, no sentido de derrubar o regime chavista — o que poderá mergulhar o país em uma guerra civil com reflexos para todos os países vizinhos, inclusive o Brasil.
É pouco provável, entretanto, que os EUA optem por uma operação militar de grande porte contra a Venezuela, nos moldes daquelas realizadas ao invadir a República Dominicana, em 1965, ou a ilha de Granada, em 1983. A Venezuela é um país muito maior e possui forças armadas muito mais capazes de resistir a uma invasão, o que cobraria um preço que provavelmente o governo americano não está disposto a pagar apenas para trocar o inquilino do Palácio de Miraflores, em Caracas.
Seja qual for o desdobramento futuro dessa crise, uma coisa é certa: as tensões geopolíticas, que nós, brasileiros, nos acostumamos a acompanhar à distância, ocorrendo em lugares remotos do planeta, desta vez estão literalmente acontecendo do outro lado de nossas fronteiras. Saberemos como reagir?
Fonte: Por Paulo Filho
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