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Medo de Brasil “virar Venezuela” ganha força após reação dos EUA a STF e Lula

Lula e Maduro durante visita do ditador venezuelano ao Brasil em 2023. (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República)

Porto Velho, RO
- A carta do presidente americano Donald Trump enviada na quarta-feira (9) ao governo Lula, incluindo críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF), trouxe de novo à tona um paralelo que já chegou a ser visto como paranoia da oposição: o de que o Brasil estaria seguindo a trajetória política da Venezuela.

Desde 2023, o país assiste à consolidação de um arranjo institucional em que o Judiciário, com apoio do Executivo e sob pouca resistência do Legislativo, assume um papel político inédito em democracias. Esse arranjo começa a ser tratado por outras nações com os mesmos filtros aplicados a regimes autoritários.

O alerta não vem só de Trump, mas também de meios de comunicação e formadores de opinião estrangeiros que expressam preocupação com algumas decisões recentes do STF, como a suspensão da plataforma X e a decisão de invadir a competência do Legislativo para fazer a regulação mais severa da internet já vista em países com tradição democrática.

Parlamentares americanos têm reagido desde o ano passado com declarações públicas e a discussão de sanções ao Brasil. Na Espanha, a recusa da extradição do jornalista Oswaldo Eustáquio, mesmo após insistência do STF, é mais um indício de que a comunidade internacional já começa a reconhecer que as práticas brasileiras destoam de padrões democráticos.

Do lado do Executivo, a aproximação de Lula com ditaduras latino-americanas e regimes autoritários como China, Rússia e Irã – com intensidade maior do que em seus governos anteriores – reforça a percepção de um Brasil que menospreza os valores democráticos. Diante de tudo isso, cresce o temor de que o país passe a receber o tratamento dispensado a países com esse perfil.

"O governo Lula é uma vergonha mundial que se esforça diariamente para nos tornarmos uma Cuba ou Venezuela", afirmou na quarta o deputado federal André Fernandes (PL-CE), via X. "Estamos em processo de venezuelização. Quem planta vento colhe tempestade", disse a economista Marina Helena (Novo-SP), candidata à Prefeitura de São Paulo em 2024. O economista Adriano Tomasoni ironizou, em uma postagem com milhares de curtidas: "Jamais imaginei que ao se aliar com Irã, Hamas, Venezuela e Rússia… o Brasil sofreria sanções de algum país democrático. Estou chocado".
Isoladamente, sem outros fatores contra STF e Lula, sanções tendem a aprofundar o autoritarismo

Para cientistas políticos consultados pela Gazeta do Povo, é equivocado pensar que a imposição de tarifas comerciais e sanções faça governos com tendência autoritária retrocederem em seus abusos. A história mostra que o contrário costuma acontecer.

"Cuba sofre sanções nos Estados Unidos há tantos anos e isso não levou a uma mudança de regime", recorda o cientista político Ricardo Caldas. Segundo ele, um único tipo de sanção ou taxação, sem uma conjunção de fatores, não é suficiente para diminuir o ímpeto autoritário de um governo.

O cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), diz que experiências latino-americanas recentes de governos com características autoritárias mostram que sanções internacionais não necessariamente levam à abertura política, mas podem ser usadas como pretexto para aprofundar o autoritarismo.

"Todo governo autoritário ou que lança mão de práticas autoritárias emprega a estratégia maniqueísta do 'nós contra eles'. Na área doméstica, notadamente, os populistas latino-americanos têm uma longa tradição no emprego desse tipo de estratégia discursiva, de construção retórica para fins de competição política. E não é difícil para esses governos lançar mão do mesmo tipo de narrativa para a política exterior, com o propósito de se legitimar perante o público doméstico", afirma Gomes.

O especialista recorda que, com sua popularidade em queda, agravada pelo caso do INSS, e com a sua dificuldade de se relacionar com o Congresso, como ficou demonstrado na crise do IOF, Lula "depende cada vez mais dessa aliança circunstancial e incomum na relação dos poderes no Brasil, que é o consórcio entre a Suprema Corte e o partido do governo". Nesse contexto, para Gomes, "é bastante razoável e factível que o governo decida partir para a radicalização: o dobro ou nada".

Isso poderia incluir, segundo ele, "lançar mão de mais medidas de controle, de restrição das liberdades de expressão dentro e fora das redes sociais, sob a alegação de que haveria um motivo para além da segurança pública – como já tem sido alegado – e para além da salvaguarda do Estado Democrático, como já foi também aventado pela estratégia comunicacional do governo e do STF".

Neste caso, para Gomes, STF e Lula poderiam começar a alegar que certas medidas respondem a uma situação de ameaça à segurança nacional e à soberania do Estado. "Parece muito razoável, muito provável que esse grupo vá continuar essas restrições, sob a alegação de que isso é uma medida para salvaguardar o Brasil de investidas de poderes estrangeiros, que contariam com o consórcio de atores políticos domésticos, que deixariam de ser vistos apenas como antidemocráticos e seriam vistos como antinacionais, ou seja, seriam vistos como traidores por esse consórcio entre Suprema Corte e o partido do governo", observa.
Força de setores como o agro e a Faria Lima podem tornar controle autoritário mais complexo do que na Venezuela

Para os analistas, há uma diferença importante no caso do Brasil em relação à Venezuela: o conflito com atores nacionais de grande poderio econômico que, até por mero pragmatismo, são contrários às restrições impostas pelo consórcio STF-Lula.

"O Brasil tem uma dependência muito grande dos investimentos e do capital americano, da tecnologia transferida pelos Estados Unidos. Me parece que importantes setores da economia, como o setor financeiro, a Faria Lima, o agronegócio brasileiro e outros atores econômicos importantes pressionariam muito a autoridade brasileira para que negociasse", afirma Gomes, em relação às sanções.

Ricardo Caldas concorda, e acrescenta que é necessário organização política para viabilizar uma reação. "Se as taxações começarem a prejudicar uma série de setores econômicos – por exemplo, exportadores para os Estados Unidos –, e se esses setores conseguirem se organizar politicamente e mostrar para o resto da sociedade que o governo está causando um dano ao país, isso pode levar ao enfraquecimento desse governo. Se o governo está indo bem, mas tem um problema, só esse problema não é suficiente para derrubar o governo. Agora, se o governo tem vários problemas e conseguiu mais um grande problema, mais um inimigo, aí pode ser que chegue a um ponto em que este enésimo problema ou este enésimo inimigo possam contribuir para a sua derrocada", diz.

Para o cientista político Leonardo Barreto, a tendência atual é que o governo "corra para negociar" caso sofra pressão interna. "Se os setores econômicos vierem para cima do governo Lula e disserem: 'A gente não topa isso, não quer fazer parte dessa aventura anti-Ocidente que você está empreendendo', ele perde sustentação política e cai".

Por isso, na visão dele, não se pode comparar a situação do Brasil com a da Venezuela. "São dinâmicas completamente diferentes. Em democracias, esse processo de sanção econômica vai levar o Lula a ter que sentar à mesa para negociar o mais rapidamente possível. E, se quiser um exemplo disso, é só olhar para a Colômbia. O [presidente Gustavo] Petro está mais à esquerda do que Lula, mas 30% da economia colombiana é atrelada às exportações para os Estados Unidos. E o que aconteceu lá? O Petro teve que retroceder, não teve conversa. Então, acho que essa comparação com a Venezuela não cabe, porque, em ditadura, isso se usa para sufocar, mas, em democracia, o presidente, que já tem baixíssima taxa de popularidade e que tem, sim, responsabilidade nesse processo, tende a perder apoio político", afirma.

O cientista político Paulo Kramer também avalia que, ao contrário do que ocorreria na Venezuela, Lula vai perder força caso queira dobrar a aposta. "Apesar da óbvia escalada de restrições à liberdade de expressão impostas pelo 'condomínio' de poder entre a juristocracia e o lulopetismo, ainda respiramos um pouco mais de ares democráticos, e a oposição exibe certa capacidade de manobra", afirma. "A Avenida Paulista, a Faria Lima e o agro encontram em Eduardo Bolsonaro [PL-SP], com sua óbvia influência sobre a Casa Branca, um aliado muito mais útil do que em Lula, pois este prefere contaminar a nossa diplomacia com seu surrado discurso de 'nós contra eles' a adotar uma atitude responsável, pragmática e em sintonia com o autêntico interesse nacional", acrescenta.

Fonte: Por Leonardo Desideri

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